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renda e rendimento

Na literatura do português europeu, renda e rendimento denotam conceitos diferentes, embora relacionados. Embora esta diferenciação seja útil, pode tornar-se confusa, pois no Brasil geralmente apenas é usado o termo renda para ambos os conceitos, cabendo ao leitor deduzir o tipo de relação em causa, caso a caso. Tentamos esclarecer aqui a diferença entre ambos, para facilitar ao leitor brasileiro a leitura dos textos escritos em português europeu.

Rendimento pertence à mesma família etimológica de rendição (entrega de algo a alguém), editor (aquele que entrega ao público), etc. A palavra é usada com rigor nas ciências exactas para descrever certos fenómenos mensuráveis – rendimento duma reacção química, rendimento mecânico, rendimento lumínico – e esse sentido foi transmitido à economia política. Tal como o rendimento de uma reacção química exprime o resultado final devolvido pelos reagentes, assim o rendimento do acto produtivo designa o valor final líquido gerado pelo trabalho. No sistema capitalista este valor é imediatamente apropriado pelo Capital, apenas sendo entregue ao Trabalho uma fracção do rendimento obtido.

A palavra renda é usada em economia política quando está em causa um processo não produtivo, não havendo portanto produção de valor acrescentado, e no entanto alguém extrai um benefício pago por outrem – é o caso típico do aluguer ou dos juros. Assim, por exemplo, quando um proprietário aluga um terreno de cultivo, em nada contribui para o rendimento agrícola desse terreno: limita-se a exibir um título de propriedade, com base no qual exige legalmente que lhe seja entregue um benefício em dinheiro ou em géneros – a renda. É claro que para pagar esse benefício alguém tem de produzir valor e entregar uma parte desse valor ao proprietário – mesmo que o terreno não esteja a ser cultivado ou se tenha tornado estéril. O mesmo acontece com o aluguer de uma viatura, de uma casa, etc. – a condição essencial para obter o benefício da renda consiste simplesmente num título de propriedade, não envolve investimento produtivo nem organização da produção. Alguns autores tipificam a renda como um sistema medieval que não foi eliminado pelo desenvolvimento do capitalismo, coexistindo com ele e até tornando-se por vezes hegemónico, como sucede nas fases capitalistas altamente financeirizadas.

A similitude dos dois termos (renda e rendimento) presta-se a confusões, reforçadas pela ideologia dominante, que procura confundir os dois processos: o da produção de valor pelos produtores (ou seja, os trabalhadores) e o da retenção duma parte desse valor por alguém alheio ao acto de produção. Esta confusão é finalmente consagrada pela contabilidade, que designa indiferentemente por rendimento todo e qualquer processo donde se possa extrair um benefício mensurável.

Em suma: quando falamos de rendimento estamos a referir-nos aos benefícios mensuráveis envolvendo produção real; quando falarmos de renda estamos a referir-nos a benefícios mensuráveis obtidos pela simples titularidade patrimonial, sem recurso directo à produção (no caso do aluguer de dinheiro também se usa o termo juros, que são um caso particular de renda); no limite pode estar em causa a titularidade da força de trabalho, como acontece no caso do subaluguer de assalariados.

Para que fique claro: a distinção aqui proposta não envolve qualquer crítica ao uso indiferenciado do termo renda no português brasileiro – até porque, em última análise, haja ou não produção envolvida no processo, o que está em causa é sempre um título de propriedade: quando um patrão industrial captura o valor produzido pelos trabalhadores, fá-lo pura e simplesmente ao abrigo das leis que protegem a titularidade patrimonial da fábrica.

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