Reestruturação da dívida ou trafulhice?
O governo procedeu a uma reestruturação da dívida (juros e prazos) que foi apresentada pelo próprio governo e pela generalidade da comunicação social como uma operação de sucesso. Neste artigo Vítor Lima apresenta um estudo a quente de alguns dos dados dessa «reestruturação», seu significado e algumas das suas consequências. Fica claro, mais uma vez, que as reestruturações saem caras – aliás, como o povo grego já sabe há algum tempo.
Na operação de hoje [3/12/2013] o governo transferiu o pagamento de dívida de 6.640 M€ de 2014/15 para 2017/18.
No exercício abaixo a que se procedeu considerou-se o prazo de maior esforço de pagamento à troika – 2014/21 – a uma taxa constante de 5 % e o valor do PIB em 2012.
Estimativa do serviço de dívida de médio/longo prazo para 2014/21 (€ milhões) | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 | 2020 | 2021 | soma | |
Antes da operação de 3/12/2013 | |||||||||
amortização | 13.779 | 15.029 | 12.540 | 12.178 | 10.698 | 11.470 | 12.273 | 10.766 | 98.733 |
juros | 4592 | 3872 | 3183 | 2565 | 1993 | 1439 | 845 | 269 | 18.758 |
% do PIB | 11,1 | 11,5 | 9,5 | 8,9 | 7,7 | 7,8 | 8,0 | 6,7 | |
Depois da operação de 3/12/2013 | |||||||||
amortização | 11.279 | 10.869 | 12.540 | 14.858 | 14.668 | 11.470 | 12.273 | 10.766 | 98.723 |
juros | 4654 | 4100 | 3515 | 2830 | 2092 | 1439 | 845 | 269 | 19.745 |
% do PIB | 9,7 | 9,1 | 9,7 | 10,7 | 10,2 | 7,8 | 8,0 | 6,7 |
A referida operação conduz a:
- Um alívio da tesouraria durante três anos mas que aumenta em três anos o tempo de pagamento de juros sobre aquele valor;
- Um aumento adicional de € 100 por habitante, uma vez que no período 2014/18 os juros acumulados aumentam em € 988 milhões. Isto, se não houver novas reestruturações criativas como esta, nem novos empréstimos;
- O governo sacode as suas responsabilidades de 2014/15 – haverá eleições em 2015 – para 2017/18, denotando que o actual convénio PSD/CDS não irá perdurar como agora. Será que esperam atrair o PS para a sociedade promotora do empobrecimento?
- O governo pretende dourar a situação económica e financeira de Portugal, com previsões macroeconómicas infantilmente falsas e convencer «os mercados» da bondade da sua gestão;
- Esta operação não foi certamente gratuita e permitiu comissões elevadas por parte de bancos e/ou consultores cujo montante se desconhece.
Que soluções?
- Com ou sem a operação de reestruturação, a dívida não é pagável na sua actual dimensão, como se observa nas parcelas do PIB a comprometer com o serviço de dívida para os próximos anos.
- Uma economia capaz de melhorar a vida da população e absorver a procura de trabalho tem de ter um crescimento razoável, superior a 3 %.
- Mesmo que se consiga um crescimento dessa ordem, num prazo que, na actual situação económica e política, não é previsível, esse acréscimo estará sempre longe de poder fazer face ao serviço de dívida.
- Dito de outro modo, um crescimento que permita simultaneamente pagar o serviço de dívida e melhorar a vida da população, atrair os que emigraram, reduzir o desemprego e conter o empobrecimento galopante a que se assiste, esse crescimento teria de variar, no período considerado, entre 10 % e 14 %, o que é inimaginável.
- Falar de reestruturação é uma burla política para ocultação da realidade por parte do governo e devido a cálculos políticos de uma oposição falsa, mansa, ou inútil, todos à margem da população.
- Qualquer real solução para a precária situação global em que vive a esmagadora maioria dos residentes em Portugal passa por:
-
- Suspensão imediata do pagamento da dívida pública por motivos de força maior;
- Avaliação da parcela da dívida a declarar como nula por não ter sido aplicada no bem-estar das pessoas e eventual reescalonamento de algumas das suas parcelas legítimas;
- Criação de um regime político democrático, com um outro modelo de representação, em que as pessoas possam decidir a todo o momento e não vejam os seus direitos usurpados por uma classe política;
- Apuramento das responsabilidades criminais e financeiras dos decisores políticos dos últimos governos.
Nota do Editor: Já depois da publicação deste artigo no site do autor, vieram a lume mais dados (e outros certamente estão ainda por vir) que revelam alguns custos escondidos nesta operação – por exemplo, incentivos a investidores no valor de 134 milhões de euros. Além disso o estudo de Vítor Lima é feito de forma segura e por defeito (isto é, evitando a especulação), de forma que factores como a quebra de PIB por efeito da austeridade e consequente aumento da dívida em relação ao PIB, ou o aumento de taxa de juros, não estão contemplados na tabela acima.
Fontes e referências
Grazia Tanta, «Reestruturação da Dívida ou Trafulhice?», 3-12-2013, http://grazia-tanta....
Ana Suspiro, «Estado "Dá" Prémio de 134 Milhões de Euros a Investidores que Aceitaram Trocar Dívida», Jornal I, 4-12-2013, http://www.ionline.p...
visitas (todas as línguas): 3.541