Grécia em chamas - prelúdio da revolução europeia

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Savas Michael-Matsas, militante trotskista do EEK, dá-nos uma descrição vívida do ambiente de rua e da revolta popular na Grécia, nos dias 12-13 de Fevereiro de 2012. Embora os comentadores de serviço na comunicação social portuguesa insistam na lengalenga economicista do perigo de contágio económico e financeiro, percebe-se que o que começa a assustar realmente os poderes instituídos na Europa é o perigo de contágio insurreccional...
O pior pesadelo das classes dominantes da Grécia e da Europa está a tornar-se realidade, com a explosão social incontrolável em curso na Grécia.
No instante em que escrevo estas linhas, durante a madrugada de 12-13 de Fevereiro de 2012, prosseguem os confrontos violentos entre os manifestantes e a polícia de choque, no centro de Atenas e noutras cidades por todo o país. A «maioria» forjada no Parlamento acaba de votar um novo pacote de medidas de canibalismo social impostas pela Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI), mas vê-se impotente para travar as chamas da explosão social que alastram por todo o país e ameaçam além-fronteiras da Grécia, por toda a Europa e internacionalmente.
A manifestação popular na Praça Syntagma, a 12 de Fevereiro, foi literalmente gigantesca: perto de um milhão de pessoas convergiu para a praça, em frente do Parlamento, vindo de todos os arredores da capital grega, numa mobilização de massas que excedeu a magnitude e o espírito combatente das manifestações anteriores, incluindo as que ocorreram durante as greves gerais de Junho e Outubro de 2011.
Na semana passada já tinham sido levadas a cabo duas greves gerais, uma a 7 de Fevereiro, outra a 10-11 de Fevereiro. Mas esses acontecimentos, devido a vários factores – falta de preparação, oposições burocráticas a uma verdadeira mobilização de massas, condições climatéricas extremamente desfavoráveis –, não têm comparação com o que aconteceu em 12 de Fevereiro, quando as massas inundaram as ruas de Atenas e de quase todas as outras cidades, dando à mobilização um carácter quase insurreccional.
A polícia de choque, seguindo um plano preparado, atacou as pessoas na Praça Syntagma logo desde os primeiros minutos, às 5:15 da tarde. Quando o conhecido compositor Theodorakis e o herói da resistência antinazi Manolis Glezos, ambos com 90 anos de idade, avançaram para entrar no Parlamento e fazer uma declaração conjunta de protesto, a polícia de choque atacou-os, bem como aos restantes manifestantes presentes na praça, com carradas de químicos. A partir desse momento o centro de Atenas transformou-se num campo de batalha, enquanto as pessoas continuavam a acorrer em massa vindas de toda a parte. Permaneceram e resistiram em frente do Parlamento até às 10:30 da noite alguns contingentes do EEK, ANTARSYA, e a juventude do SYRIZA. Mas todas as ruas e avenidas de Omonia a Syntagma e à volta da Acrópole estavam repletas de gente que resistiu à brutalidade policial até depois da meia-noite.
Levantaram-se barricadas nalgumas ruas. Bancos, grandes lojas, cinemas, etc., foram incendiados. A esquadra de polícia de Exarchia foi atacada. Uma centena de cidadãos de todos os grupos etários ficou gravemente ferida e foi levada para o hospital. Outra centena foi detida, incluindo os manifestantes que tinham ocupado a câmara municipal de Atenas. O centro da capital parece hoje uma cidade bombardeada.
É preciso dizer que mais uma vez o partido estalinista KKE organizou a sua própria manifestação independente na Praça Omonia (onde afirmam ter concentrado 50 mil pessoas), evitando juntar-se às centenas de milhares de pessoas que ocupavam o centro e as ruas circundantes da Praça Syntagma, fugindo assim o recontro dos manifestantes com a polícia e permanecendo à margem da batalha; acabaram por dispersar pacificamente. Segundo o mantra estalinista, todos os recontros violentos com a polícia e todas as formas de acção directa são «uma provocação do Estado»…
A rebelião popular não se limita a Atenas. Noutras cidades da Grécia, de Corfu (Noroeste) e Tessalónica (Norte), a Patras (Oeste) e Creta (Sul), estão em curso mobilizações, manifestações, ocupações de edifícios públicos, de câmaras municipais, de esquadras, etc. Os manifestantes em fúria destruíram os escritórios dos membros burgueses do parlamento: em Corfu (Noroeste, mar Jónio), Agrinion (Oeste), Iraklion (Creta, sul do mar Egeu).
A fúria do povo levado à ruína reflectiu-se mesmo no sistema parlamentar burguês instituído há 38 anos, após a queda da ditadura. Embora dois terços dos deputados tenham votado o bárbaro Memorando imposto pela Troika e pelo actual governo de Papadimos, o voto negativo de um número de deputados sem precedentes deu origem à sua expulsão dos partidos que apoiam Papadimos – 46 deputados, incluindo membros fundadores e porta-vozes dos respectivos partidos, ministros, etc., foram expulsos a meio da noite do partido neoliberal «socialista» PASOK, da ala direita Nova Democracia e da extrema direita LAOS. Agora no parlamento o segundo partido é o «partido dos expulsos» – 63 deputados desde o início da crise (o PASOK tem agora 130 deputados dos iniciais 158, e a Nova Democracia 62 (o número total de deputados é 300). O partido de extrema direita LAOS, vendo a sua influência diminuir drasticamente nas sondagens, votou contra o resgate financeiro, expulsando dois dos seus membros que permaneceram como ministros e votaram a favor. No entanto o cabecilha do LAOS, Karatzaferis, afirmou continuar a apoiar o governo de Papadimos para «salvar a pátria do comunismo»!
Declaração semelhante foi produzida pelo líder da Nova Democracia, Antonis Samaras, que afirmou que o seu partido é o derradeiro obstáculo ao «governo da populaça» – por «populaça» designa ele as massas revoltadas que pendem cada vez mais para a esquerda.
O contingente político da burguesia está a ser dizimado. Durante os últimos meses assistimos a várias tentativas de criação de um novo partido burguês – novas tentativas surgirão certamente nos próximos tempos, uma vez que tantos membros dos actuais partidos foram expulsos, tornando-se políticos «sem-abrigo»; mas até agora todas as tentativas deram em nada.
A esquerda vê-se perante um desafio. Mas o estalinista KKE insiste na sua política autocentrada, focada sobretudo na sua força eleitoral e organizativa, mantendo palavras de ordem que adiam para um futuro muito distante o poder dos trabalhadores; o Synaspismos, principal força do SYRIZA, namora os membros excluídos do PASOK, na mira de construir uma «frente popular» com ambições governamentais; e a «Esquerda Democrática», ala direita do Synaspismos, graças aos seus bons resultados nas sondagens tornou-se um pólo de atracção para todos os refugiados da ala direita do PASOK, na esperança de se tornar o querubim dum futuro governo burguês de coligação, substituindo talvez a extrema direita do LAOS…
A ausência de alternativas radicais reais ao sistema parlamentar em colapso torna urgente o reagrupamento dos combatentes de vanguarda, particularmente as novas gerações, num partido internacionalista do proletariado (...)
Fontes e referências
Savas Michael-Matsas, Atenas, 13-02-2012.
Tradução: Rui Viana Pereira
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