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A Dívida

Com uma dívida pública de cerca de 200 mil milhões de euros, e uma dívida total – pública e privada – de mais do dobro disso, não admira que a questão da dívida atraia tanta atenção em Portugal. Infelizmente atrai também excessivas emoções e demasiadas opiniões que não se baseiam em mais nada do que em preconceitos e delírios ideológicos.

A dívida é o resultado de operações de crédito, e o crédito é – ou devia ser – uma mera antecipação sobre um rendimento. Portanto devia ser apenas a imagem-espelho da poupança. Por outras palavras, uma pessoa pode poupar primeiro para depois poder adquirir um bem ou serviço, ou pode antecipar a aquisição desse bem ou serviço por via do recurso ao crédito, em que a prestação a pagar corresponde à capacidade de poupança do comprador. A diferença está nos juros que estão associados ao crédito, e que deveriam corresponder apenas ao custo de oportunidade (o sacrifício feito pelo não uso pelo próprio do montante emprestado) e à taxa de risco por eventual não cumprimento por parte do devedor.

Do ponto de vista formal o crédito é uma operação perfeitamente legítima que permite antecipar a satisfação de necessidades. Na forma como o crédito é disponibilizado, e para que fins, é que está a fonte de alguns dos problemas com que nos defrontamos.

A dívida contraída por recurso ao crédito no seio de uma economia nacional pode gerar problemas a nível de agentes económicos específicos, mas não levanta problemas de maior no quadro macroeconómico, pois os créditos são iguais aos débitos e os montantes em causa – inclusive os juros – circulam apenas entre agentes económicos dentro da mesma economia. Pode haver quem ganhe e haver quem perca, pode verificar-se uma utilização não optimizada dos recursos, mas esses recursos não saem da economia vista no seu todo. O crédito e a dívida podem também conduzir a um problema de acumulação excessiva de meios nas mãos de uma minoria, mas esse é um problema essencialmente político que pode e deve ser resolvido no seio da comunidade.

O principal problema levanta-se quando a dívida é contraída no exterior da economia nacional, conduzindo a uma sangria de recursos e a uma situação de dependência face a decisores não pertencentes à comunidade. Nesse contexto o mais importante não é saber se a dívida é legítima ou ilegítima – ou seja, se ela foi contraída ou não para benefício da comunidade no seu todo – mas criar as condições para evitar que ela ocorra de todo. É claro que existindo já uma dívida externa ela já não pode ser evitada. Aí o problema está em saber se ela deve ou pode ser paga, ou não, e segundo que critérios.

Em princípio uma dívida só não deve ser paga se for impossível pagá-la sem sacrifícios desproporcionados para a comunidade, ou se os credores tiverem agido de má-fé. Assim, mesmo uma dívida ilegítima deve ser paga se for possível pagá-la sem a tal desproporção de sacrifícios, mas os responsáveis pela decisão de contrair uma tal dívida devem ser civil e criminalmente responsabilizados. A dívida que não pode ser paga sem sacrifícios desproporcionados, pura e simplesmente não deve ser paga e deve ser considerada extinta. Em alternativa, e para evitar um incumprimento formal, a dívida já existente pode ser mantida em perpetuidade, pagando juros simbólicos, sendo amortizada quando possível e num prazo tão longo quanto necessário, que pode ser de décadas ou de séculos.

Em qualquer caso e qualquer que seja a abordagem feita ao problema da dívida, é necessário impedir que a dívida externa aumente. Isso implica duas coisas:

  1. A eliminação do défice da balança externa.
  2. O recurso exclusivo ao mercado interno para financiar eventuais défices orçamentais.

A eliminação do défice da balança externa exige substituir algumas importações por produção nacional, aumentar as exportações, e restringir o valor total das importações enquanto o equilíbrio natural não tiver sido alcançado. O que significa um esforço significativo de investimento produtivo e de aumento da competitividade, tanto por via do investimento em meios de produção como pela qualificação dos trabalhadores e dos gestores.

A colocação de dívida no mercado interno implica taxas de juros adequadas, mas também a obrigação da banca e das empresas com lucros adquirirem títulos de dívida pública.

No seu contexto normal, a dívida não deve ser vista segundo um prisma de moralidade ou de aceitabilidade ideológica. O que se deve é evitar que a dívida exceda a capacidade de poupança, seja dos indivíduos, das empresas ou do estado. Ou que seja usada de forma leviana ou em detrimento do bem comum. Embora não seja possível impedir de todo as más decisões dos agentes económicos, é possível eliminar os vícios mais gritantes e os abusos, por via de uma legislação e de uma regulamentação adequadas. Sobretudo no que diz respeito ao recurso ao crédito por parte do estado.

Está na altura de olhar para a dívida de uma forma objectiva, sem recurso a discursos moralistas ou a fantasias ideológicas.

 

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