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TTIP: um "casus belli" contra os povos europeus

Rui Viana Pereira, 10/07/2015

O Parlamento europeu aprovou no passado dia 7 de junho-2015 um conjunto de recomendações e orientações para a negociação da Acordo Transatlântico para o Comércio e Investimento (TTIP, na sigla inglesa). Significa isto que a maioria dos eurodeputados abençoou as negociações do TTIP, incentivando para a sua rápida conclusão. O TTIP é um acordo com vastas implicações políticas que está a ser negociado entre a UE e os EUA. Mais do que um acordo comercial, é sobretudo um meio de rodear as normas fundamentais dos Estados, da União Europeia, das Nações Unidas e da comunidade internacional.

Os aspectos económicos do TTIP visam criar uma zona de livre comércio, com maior facilidade de circulação de bens e capitais, aplicando-lhes uma taxação (ainda) mais reduzida. Isto, só por si, não seria novidade, pois há milhares (literalmente) de acordos comerciais entre a UE e outros países de todo o mundo; esta, aliás, é a prática comum da diplomacia desde tempos imemoriais: fazer acordos comerciais. Contudo o TTIP vai muito mais longe: visa desregulamentar ou fazer recuar as questões ecológicas, sociais, de justiça, alimentares, fiscais, etc. As implicações deste tratado são vastíssimas, tão vastas como as de uma constituição, e esse é precisamente o busílis.

Um dos aspectos mais polémicos do TTIP tem a ver com a criação de tribunais arbitrais ditos «independentes». Na realidade, isto significa que os conflitos entre as empresas internacionais e os Estados, ou entre essas empresas e os consumidores, saem da alçada dos tribunais soberanos e passam a ser arbitrados por tribunais privados, criados por acordo entre os governantes e as grandes empresas. A perda de soberania é total e objectiva. Mesmo os legítimos tribunais hierarquicamente superiores aos tribunais nacionais (os tribunais da comunidade internacional, resultantes de acordos ratificados pelos órgãos soberanos dos países aderentes às Nações Unidas ou por sufrágio universal), são esmagados com a entrada em cena destes árbitros privados. Isto significa que a jurisdição dos tribunais sobre direitos humanos, direitos da natureza, direitos dos trabalhadores, das mulheres ou das minorias será anulada por tribunais ilegítimos.

Meias verdades e falsidades

Algumas das afirmações propagandísticas dos defensores do TTIP, ao longo das últimas semanas, procuram convencer-nos de que as recomendações do Parlamento europeu (PE) salvaguardam os direitos laborais, as recomendações da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e vários outros interesses sociais e da natureza. É uma mentira habilidosa, pois as recomendações do PE não passam disso mesmo: são recomendações, não são normas imperativas nem vinculativas.

Um golpe de estado palaciano

Nem sempre é fácil demonstrar de forma simples e objectiva o modo como a generalidade das instituições e autoridades não eleitas da UE têm trabalhado para instituir uma autêntica ditadura da oligarquia financeira e multinacional. Desta vez, porém, podemos dizer com objectividade que a actuação da CE e do PE constitui um golpe de estado palaciano. A objectividade do golpe é manifesta no facto de numerosas normas fundamentais – constantes nas constituições nos vários países e nos tratados internacionais – serem violadas de forma crassa.

As limitações impostas pelo TTIP ao Estado social, à negociação colectiva, aos direitos laborais, à protecção do cidadão e da natureza são objectivamente ilegítimas – ferem directamente normas fundamentais, não deixando margem para dúvidas.

Quanto aos aspectos do TTIP que poderiam parecer política ou economicamente discutíveis, eles devem ser vistos à luz de 60 anos de história, período suficientemente lato para nos permitir identificar certas tendências constantes na vontade dos povos. O TTIP arrasa os resultados de uma paulatina evolução social e política, desde a II Guerra Mundial: ao longo de muitas gerações, os povos europeus demonstraram de forma sistemática querer o reforço do estado social, dos direitos laborais, da contratação colectiva, da defesa da natureza, da defesa do consumidor (em particular no que diz respeito aos efeitos sobre a saúde). Em todos estes aspectos o TTIP representa um recuo de mais de meio século e atenta contra aquilo que poderíamos chamar práticas consuetudinárias.

Por seu turno, a criação de tribunais privados com autoridade superior aos tribunais soberanos representa um espantoso recuo de dois séculos e meio – o Estado e a justiça voltam a tornar-se discricionários e imprevisíveis, como acontecia antes da Revolução Francesa e da instauração das repúblicas. É o fim do Estado de direito, tal como os liberais o defendiam há um século!

O ataque ao Estado de direito permite-nos dizer que o TTIP é objectivamente um golpe de estado palaciano, pois viola os princípios fundamentais, nacionais e internacionais, impede que as instituições do Estado cumpram as suas obrigações fundamentais e anula a autodeterminação política e económica dos povos; fere os interesses económicos, políticos e sociais das populações, a sua integridade territorial e a sua autodeterminação – é, em suma, uma nova forma de casus belli, e portanto, à luz do direito internacional, uma declaração de guerra aos povos europeus.

O carácter lesivo do TTIP coincide com o sistema da dívida, alimentado precisamente pelas mesmas entidades de um e outro lado do Atlântico. A perda de autonomia provocada pelo endividamento soberano na Grécia, em Portugal, na Irlanda, em vários países de Leste, na América Latina, enfim, um pouco por todo o mundo, coincide com a estratégia seguida pelo TTIP. Inevitavelmente a aplicação do tratado agravará as dívidas soberanas e isso é motivo suficiente para que procuremos encontrar formas de unir as lutas contra ambos, em toda a zona comunitária europeia.

 

Fontes e referências

Stop TTIP – site de informação e documentação sobre o TTIP

«El Parlamento Europeo respalda el TTIP con el apoyo dividido de los socialdemócratas», El Hiffington Post, 08/07/2015

 
temas: TTIP

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