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Dizer não à suspensão da dívida ilegítima equivale a suspender a justiça e o direito internacional

Rui Viana Pereira, 17/07/2015

Nem um centavo dos empréstimos da Troika foi aplicado em serviços sociais, em investimentos públicos ou em qualquer outra coisa que não seja o resgate dos bancos e os negócios privados. Várias iniciativas cidadãs indiciaram o carácter ilegítimo, ilegal, odioso e insustentável das dívidas públicas contraídas sob pressão dos poderes públicos europeus e do FMI. Esses indícios foram confirmados pelo Relatório preliminar da auditoria grega, que demonstrou o carácter ilegítimo e insustentável dos empréstimos da Troika à Grécia.

Para pagar a dívida e como condição dos empréstimos, é destruída a capacidade produtiva de um país, espezinham-se direitos humanos, colocam-se no desemprego milhões de trabalhadores; quase metade da população é atirada abaixo do limiar de pobreza, retiram-se às populações serviços essenciais de transporte colectivo, saúde, educação, cultura e habitação; a soberania do povo grego é reduzida ao grau zero, os seus representantes são humilhados e chantageados, os recursos naturais e colectivos são pilhados.

Uma rápida leitura dos tratados internacionais sobre direitos humanos, económicos e sociais dos povos, bem como sobre as responsabilidades do Estado face às populações que o integram, mostra que os acordos negociados com a Troika são ilegítimos: não só foram extorquidos sob ameaça ou chantagem, como impuseram condições que prejudicam interesses essenciais das populações.

À luz do direito internacional, os memorandos da Troika e as dívidas deles decorrentes devem ser declarados nulos e ilegítimos. Eis um breve exemplo do que nos diz a jurisprudência internacional:

«A Conferência das Nações Unidas sobre o Direito dos Tratados […] condena solenemente o recurso à ameaça ou o emprego de todas as formas de pressão, militar, política ou económica, venha ela de que Estado vier, com vista a forçar outro Estado a cumprir qualquer acto ligado à conclusão de um tratado, violando os princípios da igualdade soberana dos Estados e da liberdade de consentimento.» (Artigo 49.º, Capítulo II, comentado pela comissão plenária do projecto de artigos sobre o Direito dos Tratados, p. 187, http://legal.un.org/diplomaticconferences/lawoftreaties-1969/vol/french/confdocs.pdf )

Entretanto quase toda a social-democracia europeia grita por uma reestruturação da dívida grega. Por paradoxal que pareça, o berreiro recrudesce no preciso momento em que o caso grego prova à saciedade que uma reestruturação da dívida, se for negociada nos termos impostos pelos credores, apenas pode ter um resultado: o agravamento da austeridade, do descalabro económico interno e da pilhagem dos recursos colectivos. Toda a América Latina o sabia por experiência já há muitos anos – e agora também os povos europeus.

Vemo-nos assim perante um dilema da maior clareza:

Dizer não à suspensão do reembolso da dívida, ou dizer não ao repúdio da dívida ilegítima, implica objectivamente dizer sim à suspensão da justiça; significa deitar por terra tudo o que, após o holocausto da II Guerra Mundial, a comunidade internacional conseguiu acordar como níveis mínimos de dignidade e respeito recíproco dos povos.

Não é possível ir negociar com os representantes dos gigantes financeiros (a Troika, o Eurogrupo ou outros equivalentes), sem tomar decisões unilaterais de força, visando defender os direitos humanos e dos povos europeus.

A única forma aceitável de partir para qualquer tipo de negociação com os credores consiste em exercer previamente um conjunto de actos soberanos, unilaterais, sem aviso prévio, que permita exercer sobre os credores uma violência negocial equivalente à que eles têm exercido sobre os governos e as populações.

Negociar com os credores pode ser necessário e aceitável, se com isso conseguirmos poupar as populações a maiores sofrimentos; mas apenas é viável e útil levando na manga boa quantidade de trunfos de peso, consistindo dois deles em tomar o controlo das instituições financeiras do país (incluindo, obviamente, o banco central) e suspender o reembolso da dívida, de forma a tornar possível o apuramento de ilegitimidades e responsabilidades no processo de endividamento. Precisamente aquilo que, em diversos países, incluindo Portugal e Grécia, parece estar ausente da vontade dos principais dirigentes políticos.

 (versão corrigida em 17/07/2015 e em 20/12/2016;
título corrigido em 12/01/2022)

 
temas: suspensão, Grécia

visitas (todas as línguas): 6.213
 

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