A dívida total portuguesa – canibalização de um povo
1 – O endividamento da economia portuguesa [1]
A dívida do Estado, do sistema financeiro, das empresas e das famílias é constituída parcialmente dentro do país, numa matriz de relações interna, entre as entidades ou agregados atrás considerados e parcialmente junto de entidades sediadas no exterior. Por outro lado, mesmo quando o mútuo envolve apenas entidades residentes em Portugal, muitas vezes o credor municiou-se previamente no exterior; a situação inversa é muito menos relevante.
O Banco de Portugal publica regularmente as contas financeiras de Portugal. Como em qualquer contabilidade procede-se a uma avaliação do activo e do passivo, consolidando os haveres, direitos e obrigações de empresas não financeiras, do sistema financeiro, das administrações públicas e dos particulares; designa-se por consolidado por não relevar as relações internas no âmbito de cada agregado. Como contas financeiras não contabilizam o património físico existente em Portugal, como o edificado habitacional ou instalações industriais, comerciais ou de serviços, os recursos naturais, os bens materiais dos particulares ou das empresas. Consideram-se, sumariamente, para além do ouro monetário (não o privado retido para adorno ou entesouramento), o dinheiro e os depósitos, os títulos, e os empréstimos obtidos ou concedidos.
A dimensão do passivo consolidado, distribuído por agregado económico, consta do quadro seguinte:
Situação em Setembro 2011 – por agregado económico
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|||
|
M euros
|
% total
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% PIB
|
Total do passivo financeiro
|
1.392.450
|
100,0
|
813,8
|
Sociedades não financeiras
|
444.234
|
31,9
|
259,6
|
Sociedades financeiras
|
595.130
|
42,7
|
347,8
|
Administrações públicas
|
176.827
|
12,7
|
103,3
|
Particulares
|
176.260
|
12,7
|
103,0
|
PIB
|
171.112
|
-
|
100,0
|
Fonte primária: Banco de Portugal
|
Numa primeira observação, verifica-se que o nível de endividamento corresponde ao rendimento gerado em mais de oito anos iguais a 2011 e que 74,6% do passivo consolidado cabe às empresas, com a maior relevância a pertencer ao sistema financeiro, como redistribuidor dos seus meios próprios, dos depósitos e do crédito que obtém, nomeadamente no exterior. O Estado, no conjunto das suas vertentes, apesar do permanente saque a que é submetido pela actuação do mandarinato, somente representa 1/8 do passivo global, tanto quanto os particulares, as famílias, acusadas de terem responsabilidade na constituição de dívida.
A repartição por tipo de débito ou responsabilidade referente a Setembro de 2011 é a seguinte:
Situação em Setembro 2011 – Por tipo de débito
|
|||
|
M euros
|
% total
|
% PIB
|
Total do passivo financeiro
|
1.392.450
|
100,0
|
813,8
|
Empréstimos
|
437.926
|
31,5
|
255,9
|
- de curto prazo (2010)
|
47.186
|
-
|
27,3
|
- de longo prazo (2010)
|
350.469
|
-
|
203,0
|
Títulos excepto acções
|
189.307
|
13,6
|
110,6
|
Dinheiro e depósitos
|
278.940
|
20,0
|
163,0
|
Acções e participações
|
339.495
|
24,4
|
198,4
|
Outros passivos
|
146.782
|
10,5
|
85,8
|
PIB
|
171.112
|
-
|
100,0
|
Fonte primária: Banco de Portugal
|
Deste ponto de vista, os empréstimos (não titulados) aproximam-se de 1/3 do passivo consolidado, com grande predomínio dos débitos pagáveis em mais de cinco anos. Por seu turno, a dívida titulada e os «outros passivos», em conjunto, representam tanto quanto os empréstimos. A massa monetária corresponde a poder aquisitivo que se pode efectivar e, portanto, constituir um «crédito» latente sobre a economia portuguesa, tal como as acções e participações em empresas que também constituem direitos cujo exercício é meramente potencial e em prazo incerto.
Depois destas segmentações iniciais cujo objectivo é o dimensionamento dos débitos e responsabilidades da economia portuguesa, procede-se seguidamente a uma avaliação das responsabilidades face ao exterior.
A diferença entre activos e passivos financeiros do conjunto dos agregados económicos corresponde ao valor dos activos financeiros líquidos que, no período que se vai analisar – a partir de dezembro de 1995 – é negativa, tem crescido paulatinamente desde então, com alguma estabilização e mesmo um retrocesso em tempos muito recentes. Esse valor negativo corresponde a responsabilidades dos residentes em Portugal para com o exterior; um aumento (redução) desse valor negativo significa um empobrecimento (enriquecimento) dos residentes em Portugal, agrupados de acordo com grandes grupos comportamentais – pessoas/famílias, empresas comuns, sistema financeiro e Estado, este no conjunto dos seus componentes – e tem como contrapartida um enriquecimento (empobrecimento) do exterior.

A mudança de orientação no crescente volume dos valores negativos dos activos líquidos revela uma inversão de tendência que provavelmente será confirmada para o período decorrido desde finais de 2010, devido à pressão conjunta da suserania UE, do FMI, do BCE. Essa mudança, como é bem sentida pela multidão, reflecte-se em todos os segmentos sociais, com pequenas mas significativas excepções – os detentores de capitais líquidos, cuja mobilidade é total, os protagonistas da economia paralela, os altos dirigentes das empresas de regime ou do mandarinato.
A estabilização do empobrecimento coletivo face ao exterior manifesta-se em várias classes e segmentos sociais de modo muito desigual. Os principais atingidos são a multidão de trabalhadores e ex-trabalhadores, submersos numa avalancha de aumentos de impostos ou redução de deduções, aumentos de preços, redução ou estagnação de rendimentos do trabalho ou de pensões, despedimentos e desemprego, acompanhados da sádica contracção dos apoios sociais. Também o médio e baixo patronato, em regra, descapitalizado e endividado, dependente do mercado interno e da evasão fiscal, entra em colapso.
De modo sintético, os valores que conferem aos seus titulares direitos sobre a economia portuguesa podem repartir-se entre empréstimos (não titulados), títulos (que materializam empréstimos), dinheiro e depósitos, acções e participações em empresas, deixando-se aqui como restante um conjunto onde avultam outros créditos e adiantamentos.
Note-se que há uma diferença essencial entre esses elementos de peso crescente e o dinheiro/depósitos ou as acções e participações; os primeiros – empréstimos e títulos – têm um grau de exigibilidade, de obrigatoriedade de reembolso num prazo determinado e no seu reembolso incluem uma saída de fundos, enquanto as acções e participações representando a titularidade de empresas não são facilmente transformadas em liquidez, nem têm associado um direito de reembolso aprazado; por seu turno, o dinheiro e os depósitos constituem formas de utilização permanente na aquisição de bens ou serviços. Neste contexto, um aumento do endividamento, pode facilmente conduzir a uma saída, para o exterior, de rendimentos gerados, para o reembolso de capital e juros, do mesmo modo que também é fácil redireccionar depósitos para destinos no exterior.
As alterações observadas acima para a composição dos passivos financeiros consolidados revelam dinâmicas distintas dos diversos componentes, cuja evolução no período 1995/2011 (Setembro), tomando como base o primeiro daqueles anos (1995=100) é a seguinte:
Total do passivo financeiro
|
353,5
|
Empréstimos
|
649,1
|
- de curto prazo (2010)
|
203,8
|
- de longo prazo (2010)
|
790,9
|
Títulos excepto acções
|
380,4
|
Numerário e depósitos
|
291,4
|
Acções e participações
|
262,6
|
PIB
|
194,8
|
Como se denota, somente as categorias dos empréstimos e marginalmente os títulos empurram o indicador global para cima; e todas têm um crescimento muito superior ao PIB, ao rendimento gerado. Relativamente a 2010 há uma redução dos indicadores das várias categorias, exceptuando precisamente os empréstimos.
Por outro lado é de sublinhar o forte crescimento dos empréstimos à economia, a longo prazo, quase quatro vezes superior ao dos empréstimos de curto prazo, sendo este tipicamente de cariz comercial e cujo valor absoluto decresce em 2008/2010, depois de relativamente estável desde 2003. Em 1995 havia cerca de € 1900 de empréstimos a longo prazo por cada € 1000 a curto prazo; esse valor passou para € 7430 em 2010.
2 – Endividamento das empresas não financeiras
Uma análise idêntica à anterior, no capítulo das empresas não financeiras, revela particularidades não divisáveis quando se observa o total da economia. A ausência de dinheiro e depósitos compreende-se porque as empresas não emitem moeda nem depósitos e, portanto não correspondem a responsabilidades; por outro lado, os detentores de acções e participações em empresas funcionam como credores sem prazo de reembolso.
A importância relativa dos empréstimos contraídos pelas empresas cresce acentuadamente no período 1996/2001, situando-se, em seguida, estável, numa faixa entre os 40 a 45% do passivo do agregado. De qualquer dos modos, tem relevância estrutural a passagem do peso dos empréstimos, de 27,2% para 41,2%, no período em análise.
O crédito titulado mantém estável a sua representatividade até 2004, aumentando gradualmente depois, passando, portanto de 4,4% em 1995 para 9,5% do total, em Setembro do último ano.
Por seu turno e consequentemente, a relevância dos detentores de acções e participações, bem como o restante passivo, reduz-se no período. Se o peso dos credores (com ou sem títulos) ficava, em 1995, muito aquém do investimento na subscrição de capital das empresas (31,6% no conjunto, contra 55,1%), cerca de 16 anos depois passava para uma relação de 50,7% contra 41%. Isto é, a relação de dependência face a financiadores comuns aumentou substancialmente.
As modificações na contribuição de cada uma das rubricas do passivo registado nas contas financeiras das empresas explicita as diversas dinâmicas que se observaram desde 1995 (1995=100):
Total do passivo financeiro
|
315,5
|
Empréstimos
|
477,7
|
- de curto prazo (2010)
|
189,2
|
- de longo prazo (2010)
|
745,6
|
Títulos excepto acções
|
686,4
|
Acções e participações
|
234,6
|
PIB
|
194,8
|
As medidas do crescimento das diversas variáveis relativas às empresas são um pouco abaixo do registado para a economia global, com duas notórias diferenças: o crescimento dos empréstimos é bastante menor, embora se mantenha a aproximação para os empréstimos de curto ou longo prazo; por outro lado, no caso das empresas é muito mais elevado o crescimento dos créditos titulados, resultado de uma evolução muito ascendente desde 2007 e que se compagina com a estagnação do volume dos empréstimos a partir de 2008.
A relação entre créditos de curto e longo prazo evidencia claramente a maior expansão do volume destes; em 1995 havia € 1090 em empréstimos de longo prazo por cada € 1000 de prazo inferior tendo essa relação passado para € 4307 por € 1000 em 2010.
Em síntese, a maior preponderância de créditos de prazo maior, em princípio ligados a projectos de investimento ou a um financiamento estrutural, revela a insuficiência de capitais próprios, evidenciada, como atrás se disse, pela redução do peso da posse das suas acções e participações por terceiros. Esta fragilidade dos capitais permanentes (próprios e alheios de longo prazo) arrasta consigo dificuldades na obtenção de crédito de curto prazo, para mais numa conjuntura recessiva e de dificuldades do próprio sistema bancário. Mais adiante (em texto próximo) se observará que esse aumento do financiamento do capital alheio de longo prazo (titulado ou não) não correspondeu a um movimento paralelo de investimento.
3 – Endividamento das sociedades financeiras
A estrutura dos passivos das sociedades financeiras revela, essencialmente, um aumento do peso dos empréstimos, dos títulos e dos restantes créditos (onde dominam as reservas técnicas dos seguros), num momento coincidente com a adopção do euro e, portanto, o acesso directo a uma moeda vigente numa enorme e rica área da UE, com um sector financeiro poderoso. No entanto, esse peso mantém-se quase inalterado a partir daquele momento, em torno dos 5% do total.
A relevância dos títulos representativos sobe para um primeiro patamar entre 1997 e 2006, subindo substancialmente desde então para níveis próximos dos 10% dos passivos financeiros das sociedades financeiras.
A participação dos detentores de ações e participações apresenta uma estrutura de ciclo, com cavas várias até se situar, em 2011, com o peso mais baixo de todo o período (16,3%).
A evolução do numerário e dos depósitos mostra-se tendencialmente em quebra até 2009, quando o seu peso no passivo financeiro desce aos 49,9%, depois de atingir 66,8% em 1996. Recentemente desenha-se uma certa recuperação.
A função clássica dos bancos é a recolha de fundos sobre a forma de depósitos – muito mal remunerados – e a sua aplicação em empréstimos com taxas variáveis em função do risco mas amplamente compensadoras, até porque os bancos gozam de um privilégio único que consiste em o mesmo valor de depósitos poder ficar afecto a um montante de créditos muito superior, baseando-se essa realidade na presunção de que os depositantes, no seu conjunto, manterão permanentemente à disposição dos bancos uma parcela substancial dos seus depósitos. E, nos casos em que as pessoas, suspeitando da saúde financeira dos bancos, pretendem reaver o dinheiro depositado, logo se interpõe o Estado para o evitar, se necessário com uma actuação bem menos discreta que a habitualmente vigente entre os banqueiros. Os Estados e o sistema financeiro têm mantido um casamento longo e feliz, não fora os sobressaltos provocados pela multidão ou o produto da estupidez sistémica a que ambos são conduzidos pela obsessão vital da acumulação capitalista.
Neste contexto, os bancos têm vantagens em maximizar o recurso aos depósitos para financiar a sua actividade principal de fornecimento de crédito. Sempre que recorrem ao crédito, junto de outras instituições financeiras ou com o recurso a obrigações para financiar as suas actividades, as margens comerciais serão mais baixas do que na utilização do dinheiro dos depositantes. Excepto quando os bancos centrais (leia-se o Estado, nacional ou plurinacional como o célebre BCE) decide fornecer moeda ao sistema financeiro a uma taxa ridícula, para estes o emprestarem de seguida a Estados endividados a taxas de juro várias vezes superiores, contando todos com a capacidade dos seus funcionários – vulgarmente denominados governantes – para legalizarem o roubo do trabalho da multidão.
Quando o conjunto das sociedades financeiras portuguesas, em 1995, tinha um passivo composto por 66,4% de dinheiro e depósitos e 2,4% de empréstimos e títulos e essas rubricas se pautam por 54,4% e 15.,% respetivamente, em 2011, está apresentado um retrato da degradação da estrutura financeira dos bancos.
Os diversos componentes dos passivos financeiros revelam ritmos de crescimento muito distintos, a partir dos quantitativos registados em 1995 (1995=100):
Total do passivo financeiro
|
372,5
|
Empréstimos
|
2756,9
|
- de curto prazo (2010)
|
6011,5
|
- de longo prazo (2010)
|
1975,7
|
Títulos excepto acções
|
2029,1
|
Numerário e depósitos
|
305,1
|
Acções e participações
|
338,4
|
PIB
|
194,8
|
Fica aqui perfeitamente expresso não só o afastamento entre a evolução das rubricas do passivo das instituições financeiras e o crescimento do rendimento gerado em Portugal mas, essencialmente, o enorme acréscimo do recurso a capitais alheios por parte das sociedades financeiras, com efeitos pouco saudáveis no equilíbrio financeiro e na rentabilidade da actividade tradicional dos bancos.
Os bancos têm, legalmente, a possibilidade de se entregarem a actividades especulativas, de manipularem as cotações, de procederem a empréstimos e aplicações financeiras protagonizadas pelo Estado. E, como constituem com o Estado um sistema integrado, os mandarins sabem criar, nesse contexto, as condições para a criação de oportunidades de negócio para o sistema financeiro. São as parcerias público-privadas e os project finance, os contratos, a especulação imobiliária, a utilização criativa dos off-shores, a manipulação da legislação fiscal e a determinação, no essencial, das premissas orçamentais; e em casos de desastre financeiro colocam os mandarins a procederem a nacionalizações, com o aplauso da esquerda parlamentar que confunde a salvação dos bancos com um passo para o … socialismo. As actividades referidas – que não são o core dos bancos – constituem precisamente as suas áreas mais rentáveis, que permitem o recurso a capitais alheios com remunerações mais elevadas mas que compensam a relativa estabilidade dos capitais disponíveis através dos depósitos de empresas e particulares.
Tomando os índices calculados (1995=100) para os anos em torno da integração na zona euro, é particularmente nítido o salto do endividamento das sociedades financeiras, associado ao fim das restrições inerentes a uma economia frágil com uma moeda fraca, com problemas cambiais e custos cambiais de conversão.
|
Total Passivo
|
Total empréstimos
|
Empréstimos
curto prazo |
Empréstimos
longo prazo
|
Títulos
|
2001
|
221,6
|
758,6
|
1765,4
|
738,8
|
820,9
|
2002
|
229,0
|
1226,9
|
2230,8
|
1207,2
|
842,9
|
2003
|
251,1
|
1744,2
|
3084,6
|
1717,9
|
922,1
|
A partir de 2004, o crescimento dos capitais que enformam o conjunto das rubricas selecionadas é bastante mais moderado, com duas notórias excepções. O índice dos empréstimos a curto prazo sobe substancialmente de 2009 para 2010 (2623,1 para 6011,5), ainda que o volume monetário não seja assombroso (€ 1563 M em 2010). O outro caso particular é o dos títulos cujo índice nos últimos anos evolui do seguinte modo:
2006
|
808,7
|
2007
|
1447,2
|
2008
|
1928,5
|
2009
|
2557,0
|
2010
|
2355,6
|
09-2011
|
2029,1
|
O valor real dos títulos cuja responsabilidade de reembolso cabe às sociedades financeiras passa, portanto, de € 2604 M em 1995 para € 21058 M em 2006, ano este que culmina um período de seis anos de relativa estabilidade. A partir de 2007 sobe até atingir os € 66.583 M em 2009, fixando-se em € 52.838 M, o último valor conhecido, referente a Setembro último; o correspondente a uns 31% do PIB.
4 – Endividamento das administrações públicas
No que se refere ao conjunto das administrações públicas – central, regional, local e ainda a segurança social – a estrutura do seu passivo consolidado é relativamente estável até 2010, embora se viesse a observar um reforço lento da representatividade dos empréstimos em contrapartida do dinheiro e depósitos. Em 2011, a situação alterou-se radicalmente, com o aumento substancial do peso dos empréstimos em detrimento da parcela de títulos; as dificuldades financeiras do Estado português conduziram mesmo à intervenção da “troika” com a definição de metas para a cabal satisfação dos interesses do sistema financeiro global.
A maior fatia do seu passivo consolidado é a dos títulos emitidos – obrigações e bilhetes do Tesouro, essencialmente, apesar da grande perda da sua representatividade em Setembro de 2011.
Particularmente interessante, pelos seus contornos políticos, é a queda observada desde 2007 no que se refere a dinheiro e depósitos, atendendo ao grande peso que ali têm os certificados de aforro.
Em 2008, sob a tutela do Teixeira dos Santos – escolhido pelos seus pares da pasta das finanças como o pior nessas funções em toda a UE, em 2009 –, foram alteradas as condições para a atracção das pequenas poupanças, de forma a tornar pouco interessante a subscrição deste tipo de depósitos em conta do Tesouro [2]. O ilustre professor de economia com essa decisão promoveu duas atitudes alternativas; canalização dessas poupanças para aplicações junto da banca tornada mais atraente ou levar os potenciais aforradores a aumentos de consumo. A banca ficaria agradecida com este aumento de liquidez por baixo preço.
Pior que isso foi o observado quando não só os certificados de aforro deixaram de ser atractivos como instrumento de poupança, como, perante o assalto dos governos PS/PSD aos bolsos da multidão, muitos dos seus possuidores tiveram de se socorrer das poupanças para fazer face às dificuldades. Contrariamente ao Japão, cujo Estado tem a maior dívida do mundo e a mantém captando essencialmente as poupanças dos japoneses de forma atraente e mantendo essa dívida fora do alcance das pressões dos «mercados», Teixeira dos Santos fez exatamente o contrário. Como se pode observar em seguida, o valor dos certificados de aforro emitidos tem vindo a decrescer acentuadamente e essa perda, desde 2007, corresponde a pouco menos de 1/10 do empréstimo de € 78.000 M da prestimosa «troika». Naturalmente que esta atitude do ministro não foi fortuita ou fruto de ignorância mas sim uma atitude criminosa deliberada para favorecer os banqueiros.
M €
|
|
2007
|
18.050
|
2008
|
17.198
|
2009
|
16.871
|
2010
|
15.471
|
2011
|
11.384
|
02-2012
|
10.925
|
Fonte: B de Portugal
|
Em Março de 2008, no princípio da crise financeira, Teixeira dos Santos, num acto inconsistente, reduziu a taxa de IVA de 21% para 20 % [3] para, em meados de 2010, proceder a uma reposição da taxa antiga, aumentando também as outras taxas (reduzida e intermédia).
Para os diversos tipos de débitos das administrações públicas há padrões distintos de evolução para o período 1995/2011, tendo como elemento de base o ano de 1995 (1995=100):
Total do passivo financeiro
|
301,8
|
Empréstimos
|
1177,0
|
- de curto prazo (2010)
|
1147,2
|
- de longo prazo (2010)
|
394,6
|
Títulos excepto acções
|
230,0
|
Numerário e depósitos
|
152,0
|
PIB
|
194,8
|
Entre as administrações públicas observa-se um crescimento acentuado dos empréstimos, particularmente devido ao aumento substancial dos débitos de curto prazo, em qualquer dos casos, de modo mais vincado a partir de 2006. O crescimento dos títulos emitidos apresenta uma evolução mais regular e não muito acentuada, registando mesmo uma retracção em Setembro de 2011. No caso do dinheiro e depósitos o crescimento situa-se aquém do registado para o PIB, sobretudo devido à já referida quebra dos certificados de aforro a partir de 2008.
Uma vez que os empréstimos diferenciados pelo prazo de reembolso têm uma evolução distinta, os débitos de longo prazo que eram 17,5 vezes superiores aos de curto prazo em 1995 mantêm o seu domínio mas cifrando-se apenas 6 vezes superiores, revelando uma maior incidência de pagamentos num prazo curto, potenciadora de dificuldades de tesouraria.
5 – Endividamento dos particulares
No que concerne aos particulares, às famílias, os seus débitos reduzem-se apenas a empréstimos e débitos comerciais ou adiantamentos, elementos que constituem a quase totalidade dos «restantes».
A parcela dos empréstimos no total evolui muito rapidamente, nos primeiros anos do período considerado, abrandando a seguir, até estabilizar em cerca de 90% dos débitos totais, a partir de 2004/2005. Como os empréstimos aos particulares são feitos essencialmente pelos bancos, a evolução registada evidencia a grande concentração do endividamento particular nos bancos.
A evolução das categorias do passivo do conjunto dos particulares, tendo como base os valores de 1995 (1995=100), revela um forte crescimento global dos empréstimos contraídos pelas famílias, apesar de uma relativa estagnação nominal a partir de 2007. Esse abrandamento é mais marcado nas dívidas a curto prazo de menor dimensão ou de mais fácil não repetição do que nas de longo prazo, associadas a investimentos fulcrais, mormente com a habitação. É natural que as dificuldades económicas, o receio ou a realidade frequente de situações de desemprego e a perda de poder de compra dos salários promovam uma redução maior na contracção de créditos para bens de consumo do que para a habitação, dificilmente anulável ou substituível e, portanto, constituindo o foco principal do esforço financeiro das famílias. Os outros débitos, como se viu, situam-se em redor dos 10% do endividamento total depois de terem perdido a muito maior representatividade que detinham em 1995.
Total do passivo financeiro
|
507,4
|
Empréstimos
|
697,9
|
- de curto prazo (2010)
|
174,3
|
- de longo prazo (2010)
|
855,0
|
Restante
|
138,2
|
PIB
|
194,8
|
As diferenças na evolução entre os dois tipos de empréstimos contraídos transformam o total dos créditos de longo prazo 4 vezes superiores aos de curto prazo, em 1995 para 19,7 vezes em 2010. Esse indicador aumenta em todo o período até 2006 quando estagna, voltando a subir em 2009/2010 devido à quebra nas existências de débitos de curto prazo.
6 – Os direitos de crédito do exterior sobre a sociedade portuguesa
Viu-se mais acima (1 – O endividamento da economia portuguesa) que ao crescente endividamento da economia e da sociedade portuguesa corresponde um aumento do crédito ou de direitos do exterior sobre aquelas. A composição desses créditos ou direitos é como que o negativo de uma fotografia antes dos tempos do digital e daí a construção do gráfico seguinte para se poder observar como têm evoluído a distribuição dos componentes desses direitos de crédito do exterior sobre a sociedade portuguesa.
A parcela dos empréstimos concedidos que se havia reduzido substancialmente em 1995/97 voltou a subir em 2011 para atingir o peso no total registado no início do período. Essa subida combina-se com a forte quebra da representatividade dos créditos titulados e dinheiro e depósitos, neste último caso, no seguimento de uma tendência iniciada com a entrada do euro mas que mantém esta rubrica como a que detém maior peso relativo entre os direitos dos residentes no exterior sobre entidades residentes em Portugal. As acções e participações de entidades externas, depois da quebra registada nos anos que antecederam a adopção do euro, tendem a estabilizar e, finalmente, a parcela remanescente depois da individualização que se vem utilizando mostra uma tendência que acentua o seu carácter residual.
Mantendo a metodologia adoptada para os restantes grupos de entidades contabilísticas, a evolução dos direitos do exterior sobre a economia portuguesa, tendo como base 1995=100, é assim:
Total dos activos financeiros
|
749,2
|
Empréstimos
|
761,8
|
- de curto prazo (2010)
|
163,8
|
- de longo prazo (2010)
|
475,3
|
Títulos excepto acções
|
1123,7
|
Numerário e depósitos
|
639,9
|
Acções e participações
|
886,5
|
PIB
|
194,8
|
O crescimento mais acentuado observa-se, de longe, nos títulos representativos de créditos do exterior; no caso dos empréstimos – e porque se não dispõe de elementos reais sobre os prazos de reembolso – a manter-se a tendência anterior, os índices em 2011 poderão ser da ordem dos 370 e 790, respectivamente, para os empréstimos de curto e longo prazo. No que se refere às acções e participações revela-se um reforço da sua posse por residentes no exterior.
7 – Resumo da evolução dos vários tipos de passivos em cada agregado económico
O resumo da evolução das responsabilidades e débitos dos vários agregados económicos, permite uma mais fácil comparação dos comportamentos dos grupos sociais relacionados no capítulo da formação de dívida no período entre 1995 e 2011.
Resumo da evolução em 1995/2011
|
|
|
|
|
1995=100
|
|
|
Total
|
Soc. não financeiras
|
Soc. financeiras
|
Adm. públicas
|
Particulares
|
Total dos activos financeiros do exterior
|
Total do passivo financeiro
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353,5
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315,5
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372,5
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301,8
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507,4
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749,2
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Empréstimos
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649,1
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477,7
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2756,9
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1177,0
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697,9
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761,8
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- de curto prazo (2010)
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203,8
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189,2
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6011,5
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1147,2
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174,3
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163,8
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- de longo prazo (2010)
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790,9
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745,6
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1975,7
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394,6
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855,0
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475,3
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Títulos excepto acções
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380,4
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686,4
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2029,1
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230,0
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-
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1123,7
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Numerário e depósitos
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291,4
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-
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305,1
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152,0
|
-
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639,9
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Acções e participações
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262,6
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234,6
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338,4
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-
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-
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886,5
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PIB
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194,8
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Há uma nítida diferença entre o crescimento do total do passivo dos particulares – mais de cinco vezes no período – e o dos outros agregados, entre os quais se assinala o menor índice de crescimento para o aparelho estatal. Em contrapartida o aumento da globalidade dos direitos do exterior (activos) é muito superior, da ordem de 7,5 vezes o valor de 1995.
Para a totalidade dos empréstimos, sem a consideração dos prazos, o endividamento do sector financeiro cresce mais de 27 vezes e o das administrações públicas quase 12 vezes. Em ambos os casos muito além da média do consolidado total. No que concerne aos empréstimos de curto prazo, a sua evolução em geral não se distancia da registada para o PIB, com as notáveis excepções dos contraídos pelo sistema financeiro que cresceram 60 vezes e pelo aparelho estatal, mais de 11 vezes desde 1995. Quanto aos empréstimos a longo prazo, uma vez mais se regista um grande crescimento do endividamento – 20 vezes – registando-se nesse tipo de débito o maior dinamismo observado com as famílias; note-se o baixo crescimento relativo das administrações públicas, neste segmento.
Quanto à dívida titulada, é também no sector financeiro que se observa o maior crescimento – 20 vezes – seguido de perto pelas empresas comuns; é neste segmento de responsabilidades que mais cresce o compromisso externo.
Na evolução do dinheiro e depósitos há a destacar o baixo crescimento dos valores na posse do Estado pelas razões já referidas atrás (3 – Endividamento das sociedades financeiras) e o grande crescimento das responsabilidades para com o exterior, tal como acontece com a tomada de posições de residentes no exterior no capital das empresas.
A referência ao PIB é incluída como unidade de comparação embora a relação deste com as grandezas consideradas esteja longe de ser igualmente proporcional. A grande distanciação do crescimento nominal da economia (PIB) e as grandezas que expressam o crédito evidenciam o fenómeno conhecido por «alavancagem», isto é, a consideração do crédito como incentivador maior do consumo, do investimento, do crescimento. Embora longe de isso ser linear, como amargamente a multidão o sente, o BCE continua a alimentar de crédito o sistema financeiro, para tentar remediar a má situação económica dos bancos, a braços com o incumprimento maciço, as falências, a recessão, quando de facto todo o sistema financeiro deveria ser redimensionado, com a assunção das perdas por quantos apostaram no crescimento infinito através de pirâmides de Ponzi.
8 – Tipos de responsabilidades por agregado económico
Abordou-se atrás para cada agregado – sociedades não financeiras (empresas), sociedades financeiras, administrações públicas e particulares – a composição das suas responsabilidades para com terceiros. Pretende-se agora, no contexto dos valores globais, consolidados, para cada tipo de responsabilidades ou débitos, avaliar as participações de cada um dos agregados económicos acima referidos, no período 1995/2011.
Para o total dos empréstimos, os particulares e as empresas, em conjunto, detêm sistematicamente a larga maioria dos débitos. Para os primeiros, após um ligeiro aumento da representatividade entre 2004 e 2010, observa-se uma nítida quebra no ano que passou; contudo, num quadro global de relativa estabilidade. No caso das empresas evidencia-se um claro recuo desde 1997 quando representavam mais de 60% do total dos empréstimos para 2011, com cerca de 40%.
As administrações públicas reduzem o seu peso nos anos iniciais da análise, aumentam essa representatividade para um patamar mais elevado em 2006/2010 para, no último ano, acrescerem significativamente a sua fatia no total dos empréstimos. Com pouca relevância nos anos finais do século passado, as sociedades financeiras elevam o seu quinhão após a introdução do euro, mantendo-se desde então relativamente estável o seu peso na distribuição da carteira consolidada dos empréstimos.
Na consideração dos empréstimos de curto prazo, a grande fatia cabe às empresas não financeiras que chegam a mais de 80% do total no triénio 2001/2003, a partir de quando se reduz a sua representatividade, mais abruptamente, em 2010. O agregado económico dos particulares abrange, em regra, menos de 20% do total destes débitos, num quadro de bastante regularidade. O sector em nítido aumento de peso é o aparelho estatal, sobretudo nos últimos cinco anos. Finalmente, o sector financeiro apresenta um acréscimo claro de representatividade em 2010, sem no entanto ser significativa a sua quota no total deste tipo de empréstimos.
A distribuição dos empréstimos de longo prazo é muito distinta da correspondente aos de menor período e o seu peso no total aproxima essa distribuição da já observada para a globalidade dos empréstimos. Regista-se uma grande estabilidade da representatividade das famílias, ancoradas aos créditos para pagamento da habitação comprada, redução do peso das empresas e crescimento da relevância do sector financeiro depois da introdução da moeda única, com a correspondente maior facilidade de acesso ao refinanciamento no exterior.
Entre as entidades que emitem títulos de crédito para se financiarem, o grande emissor é o aparelho estatal, se bem que tenha vindo a reduzir visivelmente a sua representatividade – mais de 80% em 1995 contra 50% em 2011. As empresas não financeiras pelo contrário vêm aumentando o seu peso no total mas de modo mais lento, até ultrapassarem os 20% no último ano.
Contudo, o maior incremento na distribuição cabe ao sector financeiro e desenvolve-se em três períodos distintos. Um em 1995/96, a que se segue outro, que termina em 2006, no qual o peso dos títulos emitidos pelo sector financeiro se situa num patamar bem mais alto; e um terceiro, nos últimos anos, quando chega a ultrapassar 30% do total da carteira global consolidado, como resultado do refinanciamento a que os descapitalizados bancos portugueses no exterior.
A inclusão de depósitos como responsabilidades cabe quase exclusivamente aos bancos comerciais e, porque funcionam como créditos concedidos pelos depositantes, terão de estar disponíveis para devolução a estes últimos, em condições específicas. A outra entidade que recebe dinheiro em depósito é o Estado, através de certificados de aforro, como atrás se explanou. Neste contexto, o quadro desta repartição é muito estável e dominado pelo sector financeiro, que lentamente tem aumentado o seu peso no total.
O capital das empresas está representado por partes sociais, particularmente quotas e acções, detidas por entidades singulares ou colectivas que, por essa razão, são titulares de direitos sobre as empresas; e esses direitos funcionam para as empresas como responsabilidades relativamente aos seus sócios ou accionistas.
A evolução abaixo representada significa que o total apurado de direitos societários e accionistas sobre o sector financeiro tem ganho representatividade à custa das empresas não financeiras.
Sendo o sector financeiro o elemento dominante na generalidade das economias, é aquele que controla os aparelhos de Estado e os gangs de mandarins, tornando-se o mais habilitado para a determinação e gestão das políticas fiscal e orçamental, da produção legislativa e da decisão política [4]. Por outro lado, a maior desmaterialização dos seus capitais, a procura desenfreada de altos níveis de liquidez, permite ao sistema financeiro global, como aos seus saguões nacionais, margens de lucro elevadas, tornando-se por isso particularmente procurados pelos capitais, mesmo os mais especulativos dos «investidores». Daí que haja uma tendência para o aumento do valor atribuído às empresas do sector financeiro, apesar das suas fragilidades [5], superadas pelo desmedido e dedicado apoio do BCE e dos estados nacionais.
Por outro lado, nas empresas não financeiras, as que operam na chamada economia real, a crise financeira actual gera dificuldades de obtenção de crédito, encerramentos, redução de actividade, numa gigantesca destruição ou subaproveitamento de capital que carateriza os dias de hoje. Esses elementos contribuirão para a redução do peso das sociedades não financeiras entre as partes sociais que representam os direitos dos capitalistas detentores das empresas e o desaparecimento de largos estratos de capitalistas pequenos e médios e dos seus sonhos de passarem a grandes [6].
Notas:
[1] Este artigo foi editado em conformidade com os critérios editoriais deste sítio. O original pode ser consultado no sítio do Autor.
[2] «Aspectos da crise financeira e as maleitas do capitalismo», http://www.slideshare.net/durgarrai/aspectos-da-crise-financeira-e-as-maleitas-do-capitalismo
[4] «Capitalistas e Estado, a Mesma Luta», http://www.slideshare.net/durgarrai/capitalistas-e-estado-a-mesma-luta
[5] «O Sistema Bancário Português Bancos com Pernas de Barro», http://www.slideshare.net/durgarrai/o-sistema-bancrio-portugus-bancos-com-pernas-de-barro
[6] «Empresários Portugueses Incapazes, Inúteis, Nocivos e Batoteiros», http://www.slideshare.net/durgarrai/empresrios-portugueses-incapazes-inteis-nocivos-e-batoteiros
Fontes e referências
Grazia Tanta, «A Dívida Portuguesa Total – Canibalização de Um Povo», 4-05-2012.
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