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A campanha de terror e difamação contra os Gregos

Rui Viana Pereira, 03/07/2015

Termina hoje a campanha dos partidos políticos para o referendo a realizar no próximo domingo, no qual os Gregos deverão dizer se, sim ou não, aceitam as novas condições de resgate, as medidas de austeridade e as privatizações exigidas pelo FMI, pelas instituições oficiais europeias e pelas grandes instituições financeiras, com o Banco Central Europeu (BCE) à cabeça.
Quanto à campanha levada a cabo pelos órgãos de comunicação dominantes, que vem de longe e atingiu esta semana um grau de falsificação e agressividade inusitado, certamente não será interrompida hoje às 24h, quando for encerrado o prazo oficial da campanha política.

Uma das manobras mediáticas usadas para instilar o terror agita no ar uma suposta ameaça militar turca. Esta campanha é tanto mais importante para os credores europeus, quanto o Estado grego, contra a vontade do Governo actual (expressa por escrito à mesa das negociações com as instituições europeias), é um dos grandes clientes da indústria de armamento francesa e alemã. Os credores exigem que a Grécia continue a armar-se até aos dentes e a um ritmo absurdo, gerando uma dívida pública impagável. No entanto, vários órgãos de comunicação e vários comentadores (entre os quais Paulo Rangel, eurodeputado do PSD) têm a lata de vir a público apresentar este facto às avessas: segundo eles, o actual governo grego quereria comprar mais armamento, mas as instituições europeias estariam bondosamente a tentar convencê-lo a reduzir esse tipo de gastos inúteis...

Não à chantagem financeira. Solidariedade com o povo gregoe

A propaganda mediática contra os Gregos insiste em dizer que eles ficarão sem dinheiro para mandar cantar um ceguinho, se não se portarem bem; que nunca mais haveria quem fornecesse crédito à Grécia; que os reformados morreriam à fome; etc. É uma campanha pura e dura de terror, muito eficaz junto de uma parte considerável da população, como sabemos por experiência própria aqui em Portugal; é uma mentira que esconde o facto de existir um saldo primário positivo no Estado Grego.

A campanha mediática é orquestrada de forma bastante habilidosa: não só visa isolar os Gregos dos restantes povos europeus, mas também elogia a política de governos como o português, o irlandês e o espanhol, apresentando-os de forma contrastante como alguém que se portou bem e por isso foi recompensado. Qual a recompensa? – a possibilidade de recorrer ao crédito no mercado financeiro, ou seja, endividar-se mais, a juros usurários e flutuantes. A apresentação desta e doutras «recompensas» e delícias paradisíacas vedadas aos gregos mal-comportados insiste na leitura de sinais obsessiva e exclusivamente económicos; evita cautelosamente medir os índices de bem-estar das populações. Daí que as declarações de catástrofe para os Gregos e felicidade para os Portugueses passem em claro o facto de cerca de um quarto da população portuguesa estar abaixo do limiar de pobreza – eis o paraíso salazarento: probrezinhos mas honrados. Depois de devidamente desmascarada, a campanha dos media dominantes ajuda a mostrar que o tão proclamado sucesso dos mercados financeiros implica necessariamente fome e miséria para a esmagadora maioria da população.

Não faltam as farsas fotográficas – fotos e vídeos falsificados das manifestações desta semana e de cenas nas caixas multibanco, por exemplo. O descaramento chega ao ponto de falsificar os dados estatísticos e económicos, as decisões dos ministros gregos, etc. É um pesadelo orwelliano, com a realidade a ser remontada e reescrita a todo o instante. Um dos momentos mais caricatos desta campanha é uma fotografia das bichas de utentes em frente do multibanco, na qual os figurantes são... os elementos da própria equipa de reportagem! (desmascarada pelo jornal Libération).

Tudo isto à mistura com artigos tendentes a induzir a ideia de que os Gregos, todo o povo grego, são uma cambada de corruptos e madraços. Ao terror junta-se a difamação e o insulto puro e simples.

As tácticas de propaganda, terror e difamação contra os Gregos em geral e o seu governo em particular disparam em sentidos diversos, por vezes opostos entre si, de modo a colher todos os tipos de consumidores de notícias, sejam quais forem os seus gostos pessoais e as suas tendências políticas.

A falsificação das estatísticas

A falsificação estatística vem já de 2010 e é um aspecto crucial, pois «justifica» o endividamento absurdo da Grécia nos últimos 5 anos, as medidas de austeridade e a destruição do Estado social.

Em 2011 o sr. Andreas Georgiou, então director do instituto de estatística grego (Elstat), foi posto em tribunal pelas autoridades gregas e europeias por ter falsificado as estatísticas de forma a apresentar uma visão negra da situação financeira da Grécia – logo, a favorecer a intervenção da Troika e os empréstimos massivos. Ora este Georgiou, imediatamente antes de ser director do Elstat, tinha trabalhado... para o FMI, vejam lá a coincidência.

Estes factos, que desmascaram grande parte dos argumentos a favor da «necessidade» de uma intervenção da Troika na Grécia e de uma «ajuda» financeira, são distorcidos pela comunicação social, para demonstrar … imaginem o quê? – que os Gregos, todos eles em geral e por atacado, são uns aldrabões. Mais espantoso ainda é que as instituições europeias, que puseram o referido senhor em tribunal por traição à estatística (com uma pena mínima de 10 anos de encarceramento), continuam a usar esses mesmos argumentos estatísticos para justificar as medidas de austeridade que impuseram no passado e pretendem reforçar no presente. O sr. Georgiou, por seu turno, queixa-se de estar a ser perseguido não por ter falsificado os livros de contas, mas por não o ter feito na perfeição (isto é, por se ter deixado apanhar) … Há que reconhecer-lhe alguma razão.

Todas estas falsificações mascaram a manobra de fundo: a anulação política, ideológica e institucional de vários direitos universais

O essencial em jogo nesta batalha de David e Golias tem a ver com os princípios universais da autodeterminação dos povos, da solidariedade entre povos e dos direitos humanos.

Praça Syntagma, Atenas, 3/07/2015. Manifestação contra novas medidas de austeridade e submissão da Grécia, a serem referendadas dia 5/07/2015. Segundo alguns observadores foi a maior manifestação de sempre na Grécia, indo muitos quarteirões além da Praça Syntagma. (Foto de Jean-Paul Pelissier/Reuters)

O essencial em jogo (de há muito tempo a esta parte) na Europa não é a situação económica grega, não é a orientação do governo grego, não é o programa e as práticas do Syriza. No essencial, o que está em jogo são os direitos económicos, políticos, culturais e sociais de todos os povos da Europa. Daí a necessidade urgente de solidariedade entre todos esses povos – e em particular, neste momento de aflição, de todos eles para com os Gregos.

Neste momento trava-se uma batalha de vida ou de morte entre as grandes instituições financeiras e europeias, de um lado, e a Grécia, do outro lado. Esta batalha, seja qual for o seu desfecho, seja qual for o vencedor, sejam quais forem os métodos usados e as políticas seguidas, irá sempre resultar num monumental sacrifício do povo grego. Para ser mantida e levada a cabo, esta batalha exige dos Gregos uma desesperada combatividade e abnegação, bem como a acção dos restantes povos europeus. É uma batalha que vai no sentido certo: travar a instauração e consagração definitiva de uma forma de regime contrária a todos os referidos princípios universais; impedir a capitulação, por largo tempo, a um regime ditatorial. Ainda não existe nome para esse novo regime, mas nem por isso ele se torna menos real e menos opressivo. Daí não haver paciência para aturar os críticos que (coincidência extraordinária!) escolheram precisamente esta semana, esta hora de batalha campal decisiva, para pôr a tónica nas críticas (porventura certeiras algumas delas) ao Governo grego e ao Syriza.

Não se trata hoje de tomar posição a preto e branco, ou és por mim ou contra mim, em relação ao governo grego e ao Syriza. Essa é a visão míope da história. Trata-se de tomar posição (essa sim, a preto e branco, não tenhamos medo desse lugar-comum quando ele faz sentido) contra um regime europeu antidemocrático, oligárquico, desumano e opressivo, que despreza os direitos dos povos e coloca as instituições financeiras no poder.

 

Fontes e referências

Tim Hardford, «Lies, damned lies and Greek statistics», 26/01/2013.

InfoGrecia – notícias diárias e fiáveis sobre a Grécia.

Exemplos de criatividade jornalística:

«A reviravolta apanhou todos de surpresa. Em Atenas, onde abundam cartazes a apelar ao “não” no referendo deste domingo, a notícia do inesperado “sim” de Tsipras à proposta dos credores lançou a confusão. (…) alguns dos que apoiavam o primeiro-ministro e a forma como fez frente aos parceiros europeus sentem-se agora atraiçoados pela aparente capitulação» – Expresso, 1/07/2015.

«Primeiro-ministro grego recua e escreve uma carta aos credores, a dizer que aceita o acordo apresentado» – Expresso, 1/07/2015.

Manipulações de imagens em campanha pelo «sim», denunciadas por InfoGrecia: exemplo 1; exemplo 2.

 
temas: Grécia, FMI, Troika

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