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Roubo e assalto à mão armada na Escola da Fontinha

Rui Viana Pereira, 19/04/2012

Se um bando armado de meliantes entrasse pela câmara municipal dentro para agredir as pessoas aí presentes, roubar e destruir bens materiais pagos com o dinheiro dos contribuintes, que nome se daria a esta acção? – roubo, agressão e assalto à mão armada, sem qualquer espécie de dúvida.

«Depois do despejo, o recheio do EsColA foi destruído e o edifício emparedado, a mando da câmara municipal do Porto.

A operação de despejo teve início pelas 10h00, com a intervenção de grande força policial. Agentes encapuçados entraram no Es.Col.A, rebentando o gradeamento. Vários outros agentes e dez carrinhas de força de intervenção e outros tantos carros policiais bloquearam o acesso ao bairro.

Ainda no exterior, foram detidos dois apoiantes do projecto, e, posteriormente, um terceiro. Entretanto, os ocupantes do edifício foram levados para o exterior pelas forças policiais, juntando-se às dezenas de pessoas que ali se concentravam. Juntos, num sitting não violento, tentaram impedir a saída das carrinhas policiais. O momento gerou bastante confusão, com registos de violência por parte das forças de intervenção.

As carrinhas acabaram por passar, mantendo-se um cordão policial a bloquear o bairro. Entretanto, as 150 pessoas presentes estiveram reunidas no Largo da Fontinha. A assembleia improvisada decidiu rumar até à esquadra do Heroísmo, em solidariedade com os três detidos que ali se encontravam, e que entretanto foram deslocados para a esquadra da Bela Vista, estando previsto que irão a julgamento ao início da tarde.

O pessoal partiu entretanto até às traseiras da câmara municipal do Porto, onde se encontram concentradas cerca de 200 pessoas. O edifício camarário encontra-se gradeado e "protegido" por um cordão de agentes.» [in Es.Col.A, «Câmara do Porto despeja e destrói Es.Col.A», 19-04-2012.

Foi isto que aconteceu na escola da Fontinha – agressão, roubo e assalto à mão armada, desalojando as pessoas que lá trabalhavam e roubando-lhes os bens. Estes bens foram adquiridos à custa do esforço e da contribuição das populações e dos voluntários que lá trabalham.

Poucas horas depois da invasão, o testemunho directo de Gui Castro Felga dá conta de o mobiliário, a biblioteca e a cozinha da escola terem sido vandalizados e atirados pelas janelas.

O acto criminoso em questão foi praticado por parte de um grupo de meliantes vestidos de polícias. Na ausência de uma ordem formalmente escrita e exibida pelas autoridades competentes, coloca-se uma dúvida:

Os meliantes que praticaram este acto de vandalismo sobre a população e a escola são vulgares criminosos disfarçados de polícias, ou serão mesmo polícias? Trata-se de uma associação criminosa entre assaltantes e elementos da Câmara Municipal do Porto? Se quisermos ser justos com os elementos das forças policiais, temos de considerar o seguinte:

«Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.» [Constituição, Artigo 21.º - Direito de resistência]

1. Os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a acção ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica.

2. É excluída a responsabilidade do funcionário ou agente que actue no cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico e em matéria de serviço, se previamente delas tiver reclamado ou tiver exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito.

3. Cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime. (...)» [Constituição, Artigo 271.º - Responsabilidade dos funcionários e agentes]

Ou seja: temos de supor que se se tratou de agentes da autoridade, estes foram incompetentes, violaram a lei e são criminalmente responsáveis pelos seus actos; era sua obrigação legal recusar cumprir ordens de ataque a uma população pacífica; se se trata de vulgares criminosos disfarçados de polícias, a Polícia deveria enviar uma força, com carácter de urgência, para desalojar e prender os criminosos, devolvendo o edifício à população.

Se de facto se tratou de elementos da polícia, devem ser levados perante o tribunal, e se possível irradiados das forças policiais em razão da violência dos seus actos, juntamente com os responsáveis da Câmara Municipal do Porto que eventualmente tenham emitido a ordem de ataque e despejo.

 

Um exemplo de civismo

O que é a Es.Cola.A? A história da escola e as actividades aí desenvolvidas podem ser consultadas no respectivo site.

A Escola da Fontinha é um caso exemplar de como a iniciativa cívica pode resolver problemas que os poderes públicos não têm vontade ou capacidade de resolver. Neste caso concreto, encontramos um edifício abandonado, ou seja, um enorme investimento financeiro em equipamento escolar, que estava a ser deteriorado e usado como abrigo por alguns junkies. Não só se tratava de um desperdício de bens e dinheiros públicos num bairro pobre e numa época em que os poderes políticos tantos sacrifícios exigem aos mais necessitados em nome duma dívida que não é da responsabilidade das populações, como aquelas instalações abandonadas poderiam vir a tornar-se um problema de marginalidade para a população local, em especial a população jovem.

Com grande espírito de iniciativa e sacrifício pessoal, um grupo de activistas ocupou a escola, juntamente com jovens necessitados de um local de aprendizagem e ocupação de tempos livres. Aí criaram um projecto que acabou por ser acarinhado e apreciado não só pelas populações locais, mas até por todo o público português a quem a notícia chegou.

É precisamente o carácter cívico da iniciativa popular que os poderes públicos temem. A actividade e o sucesso dos movimentos sociais aterroriza os poderes públicos, ao ponto de estes, violando a lei, o bom-senso, os interesses de quem lhes paga o ordenado, as despesas, os carros de luxo, os motoristas e as tapeçarias, mandarem um bando de jagunços carregar sobre pessoas que apenas pretendem exercer direitos que lhes são constitucionalmente garantidos.

Esta histeria do poder contra os movimentos cívicos já se faz sentir há algum tempo, com repetidas cargas policiais e abusos de poder. Recentemente esta histeria foi lavrada em acta e transmitida ao vivo na Assembleia da República, naquilo que foi uma autêntica performance histriónica do sr. Ministro do Interior, que chegou ao ponto de dizer que os manuais das câmaras de vídeo (com que a população e os turistas registam a brutalidade das cargas policiais) devem ser proibidas e perseguidas policialmente, como no tempo da PIDE:

«Isto até tem publicações. Algumas delas estão disponíveis, os senhores podem ver na internet. Há planeamento por parte de alguns destes grupos que ensinam como é que se fazem as coisas, (…) quem é que anda com câmaras de filmar e câmaras de fotografar.» [discurso do sr. ministro do Interior em 04-04-2012, ver aqui ou no Offxore]

Irão a Sony e outros fabricantes de câmaras digitais, juntamente com as escolas de artes e vídeo, processar o sr. ministro?

 

Fontes e referências

Site da Es.Col.A da Fontinha:

Constituição da República – site da AR

TVI24 on-line – directos sobre o assalto armado

Testemunhos directos:

  • RTP – «A pilhagem da Es.Col.A.», depoimento de Inês, 19-04-2012, 13:52 / atualizado em 19-04-2012, 14:1
  • TVI24 – http://www.tvi24.iol.pt/videos/video/13613579/1Como no 24 de Abril, 19-04-2012, depoimento de Ana Afonso – «Se a população não estivesse connosco não estaríamos aqui»; um processo colectivo de autogestão
  • TVI24 – reportagem filmada em que se vê a sanha de um polícia à paisana contra uma pessoa idosa; entrevista a Paula, voluntária de 50 anos de idade, com pequeno historial e descrição do amplo papel social da Escola da Fontinha
 

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