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Manifesto de Madrid contra a Dívida Ilegítima e a Actuação dos Fundos de Investimento

Decorreram em Madrid, de 21 a 23 de abril de 2023, as jornadas internacionais contra as dívidas ilegítimas e os fundos abutre. Foram três dias de trabalho intenso em que participantes de diversos sectores e países abordaram, de maneira crítica, o problema da dívida e dos fundos abutre, a fim de fazer um diagnóstico, trocar experiências e encontrar soluções para os problemas identificados e suas consequências.

A iniciativa foi organizada pela Plataforma contra os Fundos Abutre, que integra a auditoria cidadã para o sector da saúde, El Pueblo Que Queremos, ATTAC Espanha, a Coordinadora de Vivienda de Madrid, CADTM, Ecologistas en Acción, FRAVM y Observatorio CODE. Contaram com a participação da Fundação Rosa Luxemburgo e a Plataforma Auditoria Cidadã da Dívida (PACD).

As jornadas terminaram com o lançamento e leitura de um manifesto:

Manifesto de Madrid contra a dívida ilegítima e a actuação dos fundos de investimento

A economia mundial das últimas décadas caracteriza-se pela supremacia do capital financeiro, tanto no plano político como económico. Esta situação decorre das grandes transformações ocorridas na década de 1980, que lançaram as bases de uma acumulação favorável aos interesses do capital, graças à mundialização das economias e a abertura das mesmas ao exterior, em particular a liberalização dos mercados financeiros internacionais, mas também a liberalização e a privatização de sectores produtivos de base, bem como a constante descida dos rendimentos do trabalho no produto nacional.

A história mostra-nos que a recorrência das crises financeiras faz prova das fraquezas intrínsecas do funcionamento do sistema capitalista. Todas elas têm em comum uma expansão de crédito que vai muito além dos parâmetros racionais; os recursos oferecidos pelas instituições financeiras, tanto públicas como privadas, provocam espirais de endividamento nos agentes económicos.

Há quinze anos surgiu uma das piores crises da dívida no sistema bancário americano, que logo se propagou a todos os sistemas financeiros. Na Europa rebentou sob a forma de crise bancária, porque os bancos detinham 80 % dos empréstimos hipotecários.

As autoridades europeias e o Estado espanhol reagiram com um conjunto de medidas para salvar os bancos. Resultado: milhões de pessoas perderam o emprego, a habitação, a protecção social, e as mulheres foram particularmente afectadas.

A receita do Banco Central Europeu (BCE), da Comissão Europeia e do FMI consistiu em impor políticas de austeridade, traduzidas por cortes nos direitos sociais. A prioridade foi salvar o sistema e restaurar a confiança no sector financeiro.

Quinze anos volvidos, é tempo de perguntar se a situação melhorou ou piorou.

O panorama da dívida pública nos países europeus agravou-se consideravelmente, em relação aos níveis anteriores à pandemia. Três anos após a emergência sanitária do covid-19, e após quase dois anos de investimentos e ajudas públicas visando a recuperação económica e a contenção da crise energética, os estados-membros vêem-se a braços com um elevado nível de endividamento – no caso do estado espanhol, com uma dívida pública central de 116 % do PIB; no caso de governos periféricos como o do país valenciano, mais de 50 % do seu PIB –, ao mesmo tempo que as grandes empresas obtêm máximos históricos nos seus lucros e grande parte da população europeia entra em apuros.

A principal causa deste aumento de lucros é a decisão dos governos de não taxar as grandes empresas que tiraram proveito da crise sanitária e energética e da guerra para aumentarem ilegitimamente os seus dividendos. Em vez de financiar a despesa pública aumentando os impostos sobre os mais ricos, em especial os que enriqueceram durante a crise à custa da desgraça da população, os governos recorreram mais uma vez ao endividamento ilegítimo.

Actualmente, no Estado espanhol, as despesas anuais do serviço da dívida limitam de forma pronunciada o investimento na cobertura das necessidades sociais básicas essenciais para a população, como sejam a saúde, a habitação, os serviços sociais, a educação, etc. A dívida tornou-se insustentável.

Perante este preocupante endividamento público, a Comissão Europeia (CE) apresentou em novembro de 2022 uma proposta de reforma no âmbito da governação económica europeia, para debater e negociar com os estados o regresso ao Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Trata-se do princípio sacrossanto de não superar os «3 % de défice» e «60 % de dívida pública», em nome da estabilidade da economia europeia e do euro.

Segundo a Comissão, chegou o momento de saldar contas e pensar em regressar ao PEC. Isto é preocupante, porque levanta uma pergunta: quem irá pagar toda esta dívida? Estaremos à beira de uma nova onda de cortes e políticas de austeridade?

Entretanto, o casino financeiro global segue o seu curso e continua a representar um risco importante para a sociedade; os lobbies corroem a democracia; a dívida mundial continua a crescer; a evasão aos impostos é sistemática, endémica e estrutural; o grande capital privado apoderou-se da chamada transição ecológica; os grandes fundos de investimento colonizaram os serviços públicos essenciais e a economia produtiva.

Com a decisão do BCE de subir bruscamente as taxas de juro, seguindo o exemplo da Reserva Federal norte-americana, agudizou-se a nova crise da dívida pública e privada, que afecta principalmente os países do Sul. Pouco a pouco, a subida das taxas de juro tornará cada vez mais insuportável o reembolso das dívidas públicas e privadas. Os movimentos contra as dívidas ilegítimas, que tinham retrocedido nos últimos anos – durante o período de dinheiro barato –, tenderão a reactivar-se.

Pensamos que este encontro em Madrid nos oferece a oportunidade de abrir um novo espaço para o debate público sobre as causas profundas da crise e o que pretendemos fazer com o sector financeiro. Devemos defender o nosso futuro e impor uma solução socialmente justa para a dívida actual. Estamos decididos a intensificar a luta pelo controlo democrático das finanças e pela socialização da banca. A economia deve estar ao serviço da política e a política deve satisfazer as necessidades humanas.

Denunciamos o impacto negativo das vistas curtas dos mercados financeiros, que dominam as formas de desenvolvimento das sociedades, alimentam as desiguladades sociais, a pobreza, as soluções políticas estatalmente centralizadoras, autoritárias e austeritárias, o colapso dos serviços públicos e as alterações climáticas.

Em relação à dívida, exigimos:

  • O fim das políticas de austeridade impostas em nome do pagamento da dívida às instituições financeiras internacionais e aos estados, bem como o fim das políticas extractivistas e coloniais impostas pelos planos de ajustamento estrutural.
    Especificamente, no caso do Estado espanhol, exigimos o fim da falsa descentralização política e económica do modelo autonómico de «regime comum», que subordina o desenvolvimento das nações e regiões e dos seus cidadãos à manutenção de uma elite política, económica e mediática assente no poderio dominante da capital do Estado.
  • A organização de auditorias cidadãs da dívida que identifiquem as dívidas ilegítimas e insustentáveis, com vista à sua anulação, que promovam o desendividamento eficaz e igualitário, que propiciem uma saída para a armadilha da dívida, onde se encontram aprisionados muitos cidadãos, empresas e países. Este processo de alívio da dívida faz parte do desenvolvimento de novas fronteiras económicas que se afastem do produtivismo e potenciem a justiça social.
  • Dar prioridade ao interesse geral, acima do pagamento da dívida.
    Nesse sentido, propomos a revogação do artigo 135 da Constituição espanhola, que sobrepõe o pagamento da dívida e qualquer gasto social.
  • A criação de um serviço público de banca e seguros, gerido sob controlo cidadão para servir o interesse geral. Na mesma linha, e nos casos em que os bancos de retalho vão à falência e requeiram a salvaguarda dos seus depositantes, estabelecer um fundo especial de crise em todos os países, alimentado por um imposto especial sobre as empresas financeiras.
  • Pôr fim à impunidade das evasões fiscais, com a generalização do intercâmbio automático de dados bancários e fiscais, além da supressão definitiva do segredo bancário, para que os estados possam conhecer e capturar os fundos ocultos em paraísos fiscais.
    No caso do Estado espanhol, acabar com a domiciliação fiscal de empresas em territórios onde não se realiza a sua actividade económica.
  • Procurar recuperar a soberania dos estados face ao poder do mercado, por meio de um sistema de impostos fortemente progressivos sobre os rendimentos.
  • Pôr o Banco Central Europeu ao serviço do interesse geral (e não dos mercados), o que exige prioritariamente submeter ao controlo democrático o BCE, responsável pela política monetária e a supervisão bancária, revogando a proibição de os estados e governos pedirem empréstimos aos seus bancos centrais. Anular as dívidas da zona euro detidas pelo BCE, que representam em média 24 % a 30 % da dívida soberana da zona euro.

Em relação aos fundos de investimento e aos fundos abutre:

  • Informar e explicar aos cidadãos os graves prejuízos e os enormes danos causados às nossas vidas pelos fundos abutre.
  • No âmbito dos serviços básicos, de carácter público ou privado, como é o caso da habitação, da educação, da saúde, dos serviços sociais, dos cuidados a idosos ou do meio ambiente, reivindicamos a adopção de medidas que evitem a entrada de fundos especulativos nesses sectores e promovam uma gestão orientada para a satisfação das necessidades da população.
  • Promover uma lei contra os fundos abutre no território do Estado espanhol, semelhante à lei belga, mas que além disso impeça esses fundos de enriquerem à custa da destruição dos direitos básicos da população. Até à aprovação dessa lei, propomos que sejam impedidos de receber fundos públicos se não se comportarem com um mínimo de transparência, o que inclui revelar a identidade dos seus accionistas, os quais enriquecem à custa dessa opacidade e da destruição dos direitos fundamentais da população.
  • Promover o desenvolvimento de normas semelhantes de âmbito internacional, começando pela União Europeia, já que os fundos abutre costumam recorrer aos tribunais de países «amigos» para ludibriar as leis estatais.
  • Acabar com os paraísos fiscais.

Sonhemos um pouco… Suponhamos que os avisos e exigências dos movimentos sociais foram finalmente ouvidos pelas autoridades internacionais, europeias e nacionais, com a consequente aplicação de reformas radicais para regular o sistema económico-financeiro. As suas decisões passariam a ser inspiradas pelo interesse público, pela voz dos cidadãos. Além disso, passaria a ser prioritário acabar com as desigualdades e com os problemas do meio ambiente.

 

Fontes e referências

Fonte: «Manifiesto de Madrid contra la deuda ilegitima y la actuacion de los fondos de inversión», 26/05/2023.
Tradução e revisão: Rui Viana Pereira.

Lei relativa à luta contra as actividades dos fundos abutre, adoptada pelo legislador belga em 12 de Julho de 2015.

«Anular as dívidas públicas detidas pelo BCE para retomarmos posse do nosso destino», autor colectivo, 12/03/2021.

 
temas: dívida ilegítima, fundos abutre, alternativas

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