Cinco coisas a saber sobre a corrida global às terras e como a travar
Um encontro recente na Colômbia, organizado pela Land Deal Politics Initiative, foi um momento importante para avaliar a situação actual e preparar estratégias para enfrentar a actual investida no açambarcamento de terras. Há mais de uma década, a Land Deals Politics Initiative (LDPI) foi lançada como uma rede aberta a investigadores académicos e activistas preocupados com o crescente açambarcamento global de terras, água e sementes, e com as suas consequências nos modos de vida rurais e nas relações agrárias.
A economia política conhece bem, há mais de 150 anos, a relação entre o colonialismo, o extractivismo, a chamada acumulação primitiva de capitais e a expropriação de terras. Os estudos feitos pela rede LDPI e debatidos no encontro realizado na Colômbia vêm mais uma vez confirmar o papel do açambarcamento de terras no aumento da miséria e das más condições de vida a nível mundial.
Se há coisa que ficou clara na Conferência Internacional sobre a Apropriação Global de Terras, realizada no mês passado em Bogotá, é que a corrida à terra veio para ficar e está a ganhar força. O conceito de corrida à terra serve de guarda-chuva para as apropriações de terra multidimensionais que ocorrem a diferentes escalas. Ajuda-nos a compreender momentos caóticos e de insurreição – como o que está agora em curso – que são impulsionados por múltiplos actores e envolvem frequentemente violência.
O encontro na Colômbia, organizado pela Land Deal Politics Initiative, foi um momento importante para avaliar a situação actual e preparar estratégias para enfrentar o actual e iminente ataque de usurpação de terras. Foi uma convergência de vanguarda entre líderes de movimentos sociais de primeira linha, pesquisadores assumidamente progressistas e formuladores de políticas com experiência em organização de base – todos dedicados à política fundiária e representando 69 países.
As corridas à terra que são reproduzidas para sustentar o capitalismo são sustentadas por estratégias de opressão que se cruzam, entre elas a fragmentação de classes e as políticas de identidade socialmente construídas, como a raça e o género.
Estes esforços surgem numa altura crítica em que os meios de comunicação social já não dão destaque à usurpação de terras – o que indica que a prática se tornou uma rotina política internacional. A reunião na Colômbia apresenta cinco conclusões fundamentais sobre o estado da corrida às terras e a resistência que procura travá-la.
1. A velha guarda continua em marcha
A apropriação da terra, dos recursos naturais e do território sempre foi parte integrante do capitalismo. O sistema prospera com as crises – quanto mais, mais lucrativas – que, por sua vez, provocam ondas de desenvolvimento desigual. As apropriações de terras contemporâneas são uma sobreposição destes factores, todos eles de natureza extractiva. Quando a crise dos preços dos produtos alimentares de 2008 integrou a vaga de perturbações financeiras e energéticas globais, reconfigurou as apropriações de terras em grande escala, tal como o mundo as conhece.
Embora o agronegócio tenha sido uma caraterística definidora de décadas de reformas neoliberais, nos últimos anos proliferou ainda mais em todo o Sul global – transformando as explorações camponesas e as florestas indígenas em empreendimentos comerciais de monocultura. Um caso notável é o da Tanzânia, um dos países mais visados pela usurpação de terras há 15 anos. Agora está a preparar-se para uma nova vaga de negócios de terras para culturas de exportação em massa, agravada pelas políticas opressivas de sementes que têm sido impostas em todo o continente africano. Estes negócios de terras mais antigos estão no mapa para ficar, e a situação é ainda mais complicada pelas suas contrapartidas mais recentes.
Embora o agronegócio tenha sido uma característica definidora de décadas de reformas neoliberais, nos últimos anos proliferou ainda mais em todo o Sul global, transformando as explorações camponesas e as florestas indígenas em empreendimentos comerciais de monocultura. Um caso notável é o da Tanzânia, um dos países mais visados pela usurpação de terras há 15 anos. Agora está a preparar-se para uma nova vaga de negócios de terras para culturas de exportação massiva, agravada pelas opressivas políticas de sementes que têm sido impostas em todo o continente africano. Estes negócios de terras mais antigos estão no mapa para ficar e a situação torna-se ainda mais complicada com as suas recentes contrapartidas.
2. Política climática: a tempestade perfeita
A ideia de «vender a natureza para a salvar», disfarçada de solução para a crise climática, resultou numa vaga avançada de extracção, mercantilização e financeirização da natureza. Estas iniciativas trouxeram novos actores para a cena da economia extractiva, alguns dos quais inicialmente se lhe opunham, numa aliança extremamente complicada.
O Camboja, por exemplo, foi o primeiro país do Sudeste Asiático a apoiar a campanha Blue Skies & Net Zero 2050, que é um dos mais recentes desenvolvimentos no comércio de carbono – cujas versões anteriores devastaram as comunidades rurais através da apropriação maciça de terras, água e florestas. As instituições financeiras internacionais e intergovernamentais continuam a culpar os agricultores, os pescadores e os habitantes das florestas pelo agravamento das alterações climáticas através de técnicas «retrógradas» – quando o verdadeiro culpado é a intervenção estrangeira violenta associada a décadas de apropriação de recursos naturais liderada pelo agronegócio. Em vez de atacar o problema pela raiz, programas como o Net Zero prometem resolver a fome, o desemprego e a crise climática de uma só vez. O diabo, no entanto, está nos pormenores – neste caso, sobrecarregar os camponeses locais do Camboja com o fardo de mitigar a poluição das grandes empresas estrangeiras, conduzindo inevitavelmente a mais expropriações de terras.
3. O ressurgimento de conflitos violentos e a geopolítica
A terra, a água e os alimentos têm sido, desde há muito, utilizadas como armas contra populações marginalizadas através de violência extrema. Embora o nosso entendimento das apropriações de terras contemporâneas tenha sido muitas vezes o de negócios transaccionais de terras, geralmente de grande escala e frequentemente sinónimo de agronegócio, ainda não incorporámos totalmente na equação as apropriações de terras levadas a cabo através de invasões militares e guerras. Temos de expandir a nossa conceptualização da corrida à terra para incluir estes factores de forma mais abrangente, prestando também atenção aos ambientes geopolíticos em que se desenrolam.
Um elo importante aqui é que, para muitas populações camponesas e indígenas, a terra não é apenas um recurso, mas também um território. Ver a usurpação de terras como usurpação de território é uma forma de perceber como a captura de terras em conflitos violentos é um sequestro de pessoas, movimentos, cultura e história. Como tal, tem implicações específicas e colectivas. Actualmente, o genocídio e o ecocídio em Gaza, em resultado da invasão israelita, voltaram a centrar a atenção mundial na questão da Palestina. Analisar estas acções como apropriação de território pode contribuir para uma resolução mais justa de conflitos violentos – não só na Palestina, mas também noutros contextos geopolíticos militarizados tão diversos como o Haiti, o Sudão, Myanmar e a Ucrânia.
4. A colonização continua viva e de boa saúde
As corridas à terra que são reproduzidas para sustentar o capitalismo são mantidas por estratégias de opressão que se cruzam, entre elas a fragmentação de classes e as políticas de identidade socialmente construídas, como a raça e o género. Estas divisões forçadas são a força motriz dos projectos coloniais passados e presentes. Em todo o continente americano, a economia das plantações foi possível graças ao trabalho escravo dos corpos negros, à remoção dos corpos indígenas e ao barateamento dos corpos femininos e dos corpos não conformes ao género. As lutas pela independência e libertação destes processos só parcialmente foram ganhas, o que é ilustrado pela moderna apropriação de terras como uma extensão das economias de plantação.
A apropriação de terras alimenta-se da raça, da classe e do género como formas de opressão que se sobrepõem – e como tal, afecta o Norte Global, para além do Sul Global. No contexto altamente racializado dos Estados Unidos, o agronegócio continua a operar em terras roubadas aos povos indígenas com a mão-de-obra de migrantes sem documentos – muitos deles deslocados por actividades extractivas lideradas pelos Estados Unidos em países a sul da sua fronteira mexicana.
5. A resistência é liderada por movimentos camponeses e indígenas
Se alguém conhece o verdadeiro valor da terra, são as comunidades camponesas e indígenas que têm assegurado a sua sobrevivência através das gerações e para além das fronteiras. Estes grupos de pessoas são constantemente perseguidos juntamente com os recursos naturais que procuram proteger. As suas reivindicações – para pôr fim e fazer recuar a usurpação de terras – são na maior parte das vezes ignoradas como idealistas, na melhor das hipóteses, e completamente impossíveis, na pior.
Mas contra todas as probabilidades, e frequentemente enfrentando grandes perigos, os movimentos sociais estão a ganhar lutas pelo território. Este trabalho é desenvolvido graças a alianças sofisticadas que abrangem esforços de organização locais, nacionais e internacionais. A Colômbia foi seleccionada como país anfitrião do encontro contra a usurpação de terras precisamente por estas razões, na esperança de que o testemunho da história que está a ser escrita no país possa inspirar ganhos políticos noutros locais. Desde as costas do Pacífico e das Caraíbas, até às vastas terras agrícolas que mergulham nas florestas da Amazónia e dos Andes, as comunidades rurais estão a retomar o território sob a protecção de um governo receptivo que está empenhado num processo contínuo de criação de zonas autónomas camponesas e indígenas.
Os movimentos sociais estão a construir fortes convergências com académicos e decisores políticos politicamente alinhados para se prepararem para as próximas fases da sua batalha ainda difícil contra a corrida à terra – não só na Colômbia, mas em todo o mundo.
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Tradução: Rui Viana Pereira.
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