TECG + MEE – novo tratado para a governação europeia
Para criarem um novo órgão de poder centralizado que subtrai a soberania de cada Estado-membro, os poderes da UE produziram um emaranhado de tratados sobrepostos aos anteriores. Estes tratados falam de cimeiras do euro, de cimeiras de ministros das finanças, de mecanismos de ajuda e estabilização financeira, etc., mas é difícil entender como tudo isso se articula para governar os cidadãos europeus. No meio de toda esta confusão, o Conselho Europeu consegue mesmo produzir alterações a tratados anteriores, contra a vontade expressa nesses mesmos tratados.
Os dois novos tratados (MEE e TECG) foram aprovados à socapa, sem discussão pública nem referendo, apesar de limitarem drasticamente a soberania nacional e o poder de decisão dos parlamentos nacionais. Os deputados das bancadas do PS, PSD e CDS (à excepção de meia dúzia de deputados) aprovaram-no a 13-04-2012, sem debate.
Vejamos rapidamente alguns aspectos do TECG que ajudam a colocar em contexto o MEE.
«Em 9 de dezembro de 2011, os Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-Membros da área do euro chegaram a acordo sobre uma arquitetura reforçada para a união económica e monetária»
Logo na primeira linha encontramos a seguinte frase:
«Tratado sobre estabilidade, coordenação e governação na união económica e monetária»
Ou seja, logo na primeira linha ficamos a saber que não estamos perante um simples mecanismo de coordenação e ajuste financeiro ou fiduciário; há muito mais em jogo além do anunciado «pacote fiscal e orçamental» (fiscal compact, estupidamente traduzido na versão portuguesa por «compacto fiscal») – joga-se aqui a governação centralizada dos Estados-membros da UE.
Após os considerandos, definições, etc., o artigo 11º determina que qualquer alteração de políticas económicas nacionais, antes de ser debatida pelos órgãos soberanos locais e aplicada, deve ser apresentada e debatida na UE. Prevêem-se penalizações para quem não cumpra.
No site da IAC encontramos um resumo breve das consequências deste tratado:
«[...]
– impõe limites para o défice público que são inatingíveis para a maior parte dos países subscritores;
– obriga a pagar a dívida pública em ritmos impossíveis;
– retira aos parlamentos nacionais a prerrogativa de definir a política orçamental do seu país;
– instaura, de forma permanente, a austeridade como único programa político no seio da União Europeia.É um tratado intergovernamental, não da União Europeia, com uma clara influência do lobby financeiro em Bruxelas. No entanto, um país da UE que não o aprove é castigado com a impossibilidade de acesso aos empréstimos dos fundos da própria UE. Mais tarde ou mais cedo, este tratado acabará por ser revogado, por incumprimento generalizado, mas até lá tornará a austeridade mais dura e agressiva. Não é um tratado sobre estabilidade, coordenação e governação, mas um tratado sobre austeridade, desigualdade e destruição.»
Em conclusão: é, aparentemente, um tratado impossível de aplicar por razões financeiras inultrapassáveis e também por inconstitucionalidades e ilegalidades evidentes. Em nosso entender, esta visão está correcta mas não revela toda a extensão do problema. Tentemos desvendá-la.
Antecedentes do MEE
Em 2010, a fim de proporcionar ajuda financeira aos países demasiado endividados, o Conselho Europeu montou duas organizações: o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF, em inglês EFSM), em Maio de 2010; o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF, em inglês FESF), em Junho de 2010. Estas duas organizações foram criadas com carácter de urgência e não tinham base legal.
A 17 de Dezembro de 2010 o Conselho Europeu decidiu montar um mecanismo de estabilidade permanente que iria substituir o MEEF e o FEEF. Essa nova instituição chama-se Mecanismo de Estabilidade Europeia (MEE, em inglês ESM). A data de entrada em vigor deste mecanismo foi encurtando ao longo dos trabalhos preparatórios – prevê-se actualmente que seja ratificado antes do Verão de 2012, para entrar plenamente em vigor a 1 de janeiro de 2013.
Tanto o MEEF como o FEEF eram mecanismos de urgência com fins financeiros. O MEE pretende ir mais longe, com poderes que se sobrepõem à soberania dos Estados. Os governos assinaram este novo tratado sem uma palavra de protesto. A seguir foi a vez dos parlamentos (a Assembleia da República portuguesa ratificou-o, sem debate, a 13-04-2012).
MEEF e FEEF juntos tinham uma capacidade de intervenção de 440.000 milhões € (cerca 1328 € por habitante da Zona Euro). O MEE começou por ser programado para um montante 500.000 milhões € (nos quais estariam incluídos os actuais 200 milhões de dívidas já existentes dos Estados-membros). À medida que os meses vão passando, o montante vai subindo, situando-se agora oficialmente em 700.000 milhões € (cerca 2112 € por habitante da Zona Euro); alguns comentadores já prevêem a necessidade de subir o número para um bilião e meio quando o MEE entrar em funções – ver http://www.spiegel.de/international/europe/0,1518,824808,00.html.
O TECG, e por arrasto o MEE, são hierarquicamente superiores às legislações e constituições nacionais. O ministro das Finanças de cada país, antes de responder perante os seus eleitores, terá de responder perante o directório do MEE, o Conselho Europeu ou outras instâncias centrais que venham a ser criadas.
Fontes e referências
Tratado do MEE, versão versão final, em português; cópia no arquivo cadpp.org; cópia no Diário da República.
Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na UE (TECG), versão final, 2012, em português; cópia no arquivo cadpp.org.
«MEE, o novo ditador europeu», in courtfool.info; também disponível em resistir.info
«Contra o Tratado dos Credores: Suspender a Votação, Abrir o Debate, Dar Voz aos Cidadãos», no site da IAC.
«Even a 1-Trillion Euro Firewall Wouldn't Be Enough», in Spiegel Online
Índice deste caderno
Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE)visitas (todas as línguas): 3.612