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MEE e condicionalidades – subjugação dos Estados-membros

Rui Viana Pereira, 16/04/2012

As «condicionalidades» são um termo recorrente ao longo do Tratado do MEE. Referem-se às condições de atribuição de «ajuda» financeira e deixam o terreno aberto a toda a espécie de intromissões na política interna dos Estados-membros, chegando ao extremo de desautorizar a constituição e os órgãos soberanos. Esta ingerência é garantida pelo efeito cruzado do Tratado do MEE com o TECG, ratificado em 2012, que coloca os órgãos directivos da UE e seus «protocolos» (?) acima das leis e das soberanias nacionais.

A utilização do termo «condicionalidades», só por si, mereceria um estudo específico de linguística e marketing – porquê utilizar um termo que, embora exista no vocabulário português, resulta vago de sentido em razão da sua não utilização corrente? A única explicação possível é a intenção de envolver em brumas a intenção subjacente: sujeitar a atribuição de «ajuda» financeira à imposição de condições económico-políticas draconianas, como tem sido feito em todos os memorandos de entendimento com a Troika. Aliás, as «condicionalidades» macroeconómicas são expressamente referidas nos dois tratados.

Princípios e mecanismos da «assistência» financeira

artigo 12.º
«o MEE pode prestar apoio de estabilidade a membros do MEE, sujeito a rigorosa condicionalidade»
«Se for adoptada [a concessão de um instrumento de assistência financeira a um membro do MEE], o Conselho de Governadores deve incumbir a Comissão Europeia de – em articulação com o BCE e, sempre que possível, em conjunto com o FMI – negociar com o membro do MEE em causa um memorando de entendimento que especifique a condicionalidade que acompanha o instrumento de assistência financeira.»
«A Comissão Europeia – em articulação com o BCE e, sempre que possível, em conjunto com o FMI – fica incumbida de monitorizar a observância da condicionalidade que acompanha o instrumento de assistência financeira.»
 

Recordemos que TECG, ratificado em 2012, reforça o poder político do Conselho Europeu sobre os órgãos de soberania nacionais.

Até aqui somos levados a crer que o MEE serve para prestar assistência financeira aos Estados com dificuldades orçamentais. E de repente tropeçamos no artigo 15.º:

«O Conselho de Governadores pode decidir conceder assistência financeira mediante empréstimos a um membro do MEE para o fim específico de recapitalizar as instituições financeiras desse membro do MEE.»

«A condicionalidade que acompanha a assistência financeira para a recapitalização das instituições financeiras de um membro do MEE deve ser especificada no Memorando de Entendimento», etc.
 

O sentido cabalístico da cantilena das condicionalidades acaba por ser desvendado no artigo 12.1: a condicionalidade é um «programa de ajustamento macroeconómico». Na década de 1980 a moda era outra: o FMI e os políticos de serviço chamavam-lhe «programas de ajuste estrutural». Encontramo-nos perante uma receita estafada e repetitiva de extorsão das populações; estafada, mas com grande imaginação ao nível vocabular – muda-se o nome das coisas para mais facilmente fazer engolir uma pílula cujo sabor amargo já era demasiado conhecido.

artigo 13.7:
«A Comissão Europeia – em articulação com o BCE e, sempre que possível, em conjunto com o FMI – fica incumbida de monitorizar a observância da condicionalidade [...]»

Os artigos 17.º e 18.º autorizam o MEE a comprar obrigações (=dívida) de um Estado no mercado primário e no mercado secundário [1]. Aparentemente temos aqui um progresso em relação ao BCE, que não pode realizar essa operação. No entanto a coisa não é tão simples e limpa como parece à primeira vista: ao contrário do que acontece com as operações vulgares no mercado bolsista, não se trata de uma compra simples – o MEE exige «condicionalidades» para efectuar essa compra. Por outras palavras: se um Estado não consegue financiar-se no mercado normal, terá de recorrer ao MEE, que gentilmente lhe fornecerá um programa de assistência financeira, na condição de se sujeitar a novas medidas de austeridade, depredação dos bens públicos e limitações de soberania.

Reforçando a dose de veneno em vez de aplicar a cura

Aparentemente, ao constituir um fundo financeiro europeu de ajuda aos países em dificuldades, o MEE apresentaria potencialidades de redistribuição da riqueza europeia – o dinheiro dos países mais ricos e dominantes serviria para combater as dificuldades económicas, financeiras e sociais dos países mais pobres, contribuindo para um equilíbrio mais justo.

É aqui que o artigo 21.º nos vem tirar as ilusões: o MEE, para «para cumprir a sua missão», pode pedir empréstimos junto da banca privada. Por outro lado, pode emprestar dinheiros à banca privada; pode proceder a outras operações financeiras de qualquer tipo que o Conselho de Governadores decida a qualquer instante. E, recordemos, é um fundo constituído por acções.

Mas então... o MEE é uma sociedade de investimentos como outra qualquer!

A única diferença entre o MEE e uma vulgar sociedade privada de especulação financeira é que o fundo financeiro da sociedade privada depende de os particulares quererem lá pôr o seu dinheiro. O MEE não tem este problema – saca dinheiro dos erários públicos apontando-lhes uma pistola à cabeça.

Fica claro também, ao longo do tratado, que o MEE reproduz o lamaçal de cumplicidades já existente entre os poderes públicos e a banca privada.

O MEE não é um remédio para a doença, mas sim uma dose reforçada do mesmo veneno que está a matar as populações.

 


Notas:

[1] Comprar títulos de dívida de um Estado no mercado primário significa comprar esses títulos na sua fonte de emissão. Os títulos, depois de comprados, ficam na mão de alguém; esse alguém pode vender os seus títulos a outra entidade – chama-se a isso mercado secundário.

 

Fontes e referências

Tratado do MEE, versão versão final, em português; cópia no arquivo cadpp.org; cópia no Diário da República.

Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na UE (TECG), versão final, 2012, em português; cópia no arquivo cadpp.org.

«MEE, o novo ditador europeu», in courtfool.info; também disponível em resistir.info.

 
 

Índice deste caderno

Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE)
temas: União Europeia, MEE

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