Não deixemos a Grécia de 2015 sozinha, como aconteceu à República espanhola em 1936!

Partenon
Como era de prever, os «de cima», os que dirigem a União Europeia, estão em guerra contra o governo de Tsipras, que pretendem «neutralizar» ou mesmo derrubar. A razão é óbvia: se este governo anti-austeridade não desaparecer, pode criar réplicas na Europa, o que poria em perigo de morte o frágil e cada vez mais contestado domínio das políticas neoliberais e dos seus inspiradores espalhados pelo velho continente …
A cada dia se acumulam mais indícios – nalguns casos, provas – do plano em curso para tornar inoperante o novo governo grego. Como? Condenando-o desde já ao fracasso. Por um lado, os «parceiros europeus» tudo fazem para estrangularem financeiramente o governo de Tsipras, e com ele a Grécia inteira. Por isso sr. Schäuble (que cada vez mais faz lembrar um Dr. Strangelove dos nossos dias) repete à exaustão: «nem um euro será desbloqueado para a Grécia», enquanto o seu governo persistir em não aplicar escrupulosamente as medidas impostas pelo Memorando precedente. Detalhe eloquente: os eleitores gregos levaram – triunfalmente – o Syriza ao poder porque Tsipras e o seu partido prometeram fazer exactamente o contrário do que lhes pedem o ministro alemão e demais «parceiros europeus»: «Rasgar os Memorandos» e romper com as políticas de austeridade …
Por outro lado, não menos grave, desde há semanas está em curso uma campanha de desestabilização sistemática e metódica, a fim de calar, ou destruir, todas as vozes radicais de esquerda no seio do governo de Tsipras. Obviamente não é por acaso que esta campanha, de uma rara violência, decorre coordenadamente na Grécia e a nível europeu, através dos grandes meios de comunicação (jornais, cadeias de televisão, etc.), secundados pelos partidos burgueses gregos e pelos dois grandes partidos neoliberais europeus – o Partido Popular e o Partido Social-Democrata, incluindo a maior parte dos seus membros nacionais.
Sem querer subestimar os ataques encarniçados de que foram e continuam a ser vítimas a vice-ministra das Finanças Nadia Valavani e sobretudo o vice-ministro da Reforma Administrativa Georges Katrougalous, o alvo principal desta campanha é «evidentemente» Zoé Konstantopoulou, presidente do Parlamento grego, que se destaca como figura de proa da esquerda radical grega. Dizemos «evidentemente» porque há que reconhecer que esta jovem não só não poupa as palavras quando se trata, por exemplo, de apontar os responsáveis pelos grandes escândalos de corrupção, mas também não poupa os punhos quando se trata de passar das palavras aos actos. No espaço das últimas 4-5 semanas, Zoé Konstantopoulou constituiu: uma primeira comissão de inquérito para identificar quem e como conduziu os Gregos à catástrofe da Troika e dos Memorandos; uma segunda comissão de reivindicação das indemnizações de guerra alemãs, de restituição das antiguidades roubadas pelo ocupante nazi e de reembolso do empréstimo obrigatório grego ao Terceiro Reich (graças ao qual foi financiada, entre outras, a campanha do general Rommel no Norte de África); e sobretudo uma terceira comissão, de auditoria da dívida pública grega, coordenada pelo porta-voz do CADTM, Eric Toussaint.
Toda esta actividade, não só desenfreada mas também iconoclasta – e inédita, porque apontada ao coração do sistema –, tinha fatalmente de suscitar a cólera dos servidores desse sistema (meios de comunicação, partidos burgueses, aliados estrangeiros, instituições do Estado, etc.), tanto mais que a presidente do Parlamento completou o seu perfil de Robespierre radical e intratável reunindo durante algumas horas na assembleia nacional as associações de emigrados sem documentação e dos homossexuais, além de declarar (em Nicósia e na presença das autoridades cipriotas!) que vai desenvolver iniciativas para resolver a muito espinhosa questão cipriota, apoiando-se nas acções dos cidadãos cipriotas gregos e … turcos! Não admira que a campanha de difamação contra Zoé Konstantopoulou tenha exorbitado, chegando ao ponto de a apresentar como «louca» e pedindo expressamente a sua cabeça, isto é, a sua demissão.
Em contrapartida, é espantoso que a esta campanha dos grandes meios de comunicação e da «casta» grega (todas as cadeias de televisão e partidos da oposição, incluindo o Partido Comunista) se juntem também os meios de comunicação muito próximos do Governo e do Syriza! A explicação não é difícil e conduz-nos directamente ao âmago do actual puzzle grego: as iniciativas radicais e de classe, como as que foram tomadas pela Presidente do Parlamento grego, são mal-vistas, pois impedem os rodeios, no momento em que a maioria do Syriza e o governo de Tsipras persistem numa atitude angelical e continuam a pregar (num deserto) em favor de acordos e soluções «mutuamente benéficas», ainda que os «parceiros europeus» já nem se dêem ao trabalho de esconder as suas intenções de silenciar a «cacofonia grega».
Felizmente temos uma sociedade grega que, apesar de todas as dificuldades e até «hesitações» do Governo, lhe dão um apoio fenomenal: segundo todas as sondagens, mais de 65‑70 % dos Gregos apoiam a gestão do novo Governo e mais de 75 % apoiam o primeiro-ministro Alexis Tsipras. E, facto ainda mais eloquente, pelo menos 41 % (segundo algumas sondagens, 45 % ou mesmo 48 %) dos Gregos votariam amanhã favoravelmente ao Syriza, ao passo que apenas 18‑21 % preferem a direita representada pela Nova Democracia e menos de 3 % a social-democracia do Pasok. No entanto, cautela! – a sociedade grega tornou-se nos últimos 4‑5 anos um verdadeiro clone da de Weimar1 e a situação é tal, que mesmo os dirigentes do Syriza e do Governo, a começar pelo próprio Alexis Tsipras, não escondem que o estado de graça pode desmoronar num ápice – e muito provavelmente não em benefício dos partidos (N.D.-Pasok) que a larga maioria da população acaba de abandonar, mas sim a favor da sempre presente e bem enraizada Aurora Dourada neonazi.
Se podemos continuar a ser optimistas quanto ao desenrolar dos acontecimentos, ou pelo menos pouco pessimistas face à crescente ameaça de extrema direita e fascista que paira na Europa, isso deve-se a iniciativas como a da criação da comissão de auditoria da dívida grega, lançadas por dirigentes da esquerda radical, como é o caso de Zoé Konstantopoulou. Esta iniciativa, que tem o apoio da grande maioria da população, pode e deve servir de ponto de confluência para todos quantos na Europa rejeitam a austeridade, querem libertar-se do fardo da dívida e estão dispostos a resistir contra a verdadeira guerra levada a cabo pelos poderosos contra a imensa maioria dos cidadãos europeus. Aliás, é por a dívida estar na raiz de todos os nossos problemas e porque a sua auditoria tem uma dinâmica que pode levar longe a contestação deste sistema económico bárbaro, que a criação de uma comissão de auditoria da dívida grega atraiu sobre si, tanto na Grécia como na Europa, todos os hunos da Santa Aliança cada vez mais autoritária e antidemocrática que nos governa.
Mais uma vez, os «de cima» mostram-se clarividentes e preparam-se para defender os seus interesses de classe com unhas e dentes. Compete-nos a nós, os milhões de europeus «de baixo», fazer o mesmo, reunindo-nos para defender uma Grécia que sangra mas que resiste contra ventos e marés. Em suma, há que fazer tudo para que não se repitam as trágicas experiências do passado: a Grécia de 2015 não pode ser abandonada às mãos dos seus carrascos, como foi a República espanhola em 1936 face ao fascismo triunfante.
Atenas, 25/03/2015
Notas:
1 A sociedade grega dos últimos 4‑5 anos, à semelhança da República de Weimar alemã entre as duas Grandes Guerras, caracteriza-se pelo desmoronamento das classes médias e sobretudo por um movimento pendular que faz balançar de um extremo ao outro do espectro político camadas inteiras da população, em busca de soluções radicais para os mais graves problemas. Ver também: http://cadtm.org/Soi...
Fontes e referências
Tradução da versão FR para PT: Rui Viana Pereira.
Giorgos Mitralias é membro fundador do CADTM Grécia. Sobre o CADTM, ver: http://cadtm.org/
visitas (todas as línguas): 4.677