A economia não tem culpa
A economia não tem culpa. Tal como dizia noutro dia a alguém que o xadrez não é elitista. O xadrez é um conjunto de peças e um conjunto de regras que dão origem a um jogo. Quem o joga é que pode ser elitista.
A economia é uma ciência social. O facto de ser uma ciência social implica que é muito distinta daquilo que eu chamo de ciências naturais (da natureza, que não a humana, mas estou aberto a outras classificações). Além disso, dizer que é uma ciência não quer dizer que não tenha fé à mistura. Tem, claro que sim. Todas as ciências têm fé à mistura. Porque é que se acredita que a matéria atrai mais matéria? Simplesmente porque sempre se constatou que assim era. E porque, com base nisso, foram sendo construídas teorias mais ou menos elegantes que supostamente explicam as coisas que vão acontecendo. E apesar disso, não deixa de ser uma questão de fé acreditar que matéria atrai matéria, porque nunca poderemos estar certos de que um dia não vai aparecer alguma coisa diferente.
O facto de a economia ser uma ciência social implica algumas diferenças face, por exemplo, à física. É difícil ou impossível fazer experiências, é difícil prever, dizer "se implementarmos A chegaremos a B" é arriscado, o objecto de estudo tem vida e vontade próprias e pode mudar tudo de um momento para o outro.
Portanto, toda a ciência tem fé à mistura, e a economia, tal como outras ciências sociais, tem mais fé à mistura ainda. Certíssimo.
Como muita gente considera que ter fé à mistura é uma coisa má, e que as ciências sociais, por terem mais fé à mistura que as outras, são menos do que essas outras, houve uma tentativa, muito forte na economia, de inserir métodos quantitativos nas ciências sociais. A economia vestiu-se de ciência exacta, com a econometria, com análises marginais, com equações diferenciais. Mas, como qualquer bom cientista sabe, usar instrumentos sofisticados em matérias mal apanhadas e em contextos mutáveis, não adianta grande coisa. A economia continuou, portanto, a ser uma profissão de fé.
Mas isto tudo serve para dizer que não é a fé que está mal. Nem é a ciência que está mal. A ciência sempre foi, e continua a ser, simplesmente um método de obtenção de bom conhecimento. A economia sempre foi, e continua a ser, o melhor método de obtenção de conhecimento sobre os fenómenos económicos.
O que é que está mal então?
Bom, logo à partida o que está mal é a nossa fé de que a ciência não tem nada que ver com fé. E a nossa fé de que a ciência é exacta. E a nossa fé de que a ciência vai resolver tudo.
Numa ciência como a física eu poderia dizer que o que está mal é utilizar o seu conhecimento para construir bombas atómicas e depois fazê-las explodir em atóis ou em cidades. A ciência nunca nos diz como havemos de viver vidas melhores.
Numa ciência como a economia, há mais possibilidades de erro. Nas ciências sociais é mais difícil de validar ou refutar as teorias. Há, portanto, sempre muitas teorias que tentam explicar os mesmos fenómenos de diferentes formas. E isto, naturalmente, conduz à instrumentalização das teorias. Cada um defende a que lhe convém.
Economia não é o mesmo que dinheiro, não é o mesmo que contabilidade e não é o mesmo que finanças. Economia é acerca de pessoas e da satisfação das suas necessidades. A economia é o que é, uma pessegada de grelos. E os economistas agarram-se ao que lhes dá jeito.
Como disse o Zé Felix há tempos atrás, há muitos economistas muito maus. O Daniel Bessa foi meu professor e é, do meu ponto de vista, um péssimo economista. Ou, se quisermos ver as coisas de outro ponto de vista, se assumirmos que os pressupostos das teorias económicas neo-clássicas são todos verdadeiros, é um bom analista. O que ele não quererá discutir abertamente é tudo o resto: é a veracidade desses pressupostos, é a validade dessas teorias, é a validade das teorias alternativas, é os objectivos finais da actividade económica, é a importância relativa de cada um dos objectivos parcelares... O Daniel Bessa não existe nunca para nos dizer como poderemos viver melhor, tal como a ciência nunca terá essas respostas.
As respostas à questão sobre como viveremos uma vida melhor só podem vir da nossa humanidade. E a humanidade do Daniel Bessa, que já há vários anos dizia "a minha convicção profunda é que, se as coisas correrem bem, o desemprego aumentará" (página 4 desta entrevista ao DN em 2005) parece-me tão grande como a daqueles que dizem que primeiro é preciso criar riqueza para depois distribuir.
Os economistas sabem tanto ou tão pouco sobre como viver vidas melhores como qualquer outra pessoa. Não vai da economia. Vai de outras coisas!... :)
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