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Desenvolvimento e dívida

Rui Viana Pereira, 20/11/2011

O termo «desenvolvimento» foi politicamente cunhado pela primeira vez durante o discurso de tomada de posse do presidente Truman (EUA), no início de 1949:

«O velho imperialismo – a exploração para enriquecimento no estrangeiro – não faz parte dos nossos planos. Concebemos um programa de desenvolvimento baseado nos conceitos de justiça e fair-dealing democrático. Todos os países, incluindo o nosso, teriam muito a ganhar com um programa construtivo para melhorar a utilização dos recursos humanos e naturais.» [1] [Harry S. Truman, 20-01-1949]

A partir desse momento, todos os países periféricos – isto é, fora do grupo hegemónico onde pontuam EUA, Inglaterra, França e Alemanha – ficaram sujeitos a esse horrível labéu de subdesenvolvidos. Mas, nada de pânico... lá estavam os países dominantes para, «baseados nos conceitos de justiça e democracia», os «desenvolverem».

O conceito de «desenvolvimento» foi unanimemente aceite por todas as correntes políticas, em quase todas as partes do Mundo. Hoje vemo-lo renascer sob as mais variadas formas: desenvolvimento sustentável, crescimento económico, pós-desenvolvimento, ajustes estruturais, etc.

Mas afinal que significa «desenvolvimento»?

«O termo "desenvolvimento" pode significar qualquer coisa, desde construir arranha-céus até instalar retretes, desde perfurar a terra para explorar petróleo até perfurar a terra para encontrar água; conceptualmente, é um vazio descomunal [...] É um vector emocional, mais do que um termo cognitivo. Denota melhoria, avanço, progresso; significa algo vagamente positivo. Por isso, é tão difícil opormo-nos a ele: quem quereria contradizer algo positivo?» [Wolfgang Sachs]

Há décadas que os teóricos gastam tempo e ganham dinheiro discutindo entre si o «verdadeiro» significado do termo, mas todas essas discussões não alteram um pingo da realidade: o conceito de desenvolvimento é um eufemismo moderno de colonialismo. Marcha de braço dado com a famosa necessidade imperiosa de crescimento económico. O velho colonialismo impunha às populações colonizadas um modelo económico, religioso, moral, familiar, político e territorial. O desenvolvimentismo faz exactamente o mesmo, mas utilizando um termo dificílimo de contrariar, como aponta Sachs.

Desenvolver-se é aspirar a um modelo

O desenvolvimento é como um caminho de crisálida: parte dum lugar primordial, para chegar às alturas de um modelo. E qual será esse modelo? Do ponto de vista dos «desenvolvimentistas», esta pergunta é fácil de responder: o modelo a alcançar é dos países com maior poderio militar, político e económico.

Em nome deste modelo, sociedades inteiras foram desmanteladas, culturas inteiras foram destruídas, soluções económicas e ambientais milenarmente testadas foram deitadas para o lixo, povos inteiros foram expropriados das suas terras, vastos recursos naturais foram exauridos até ao desastre ecológico e climático irremediável ... Em todos os lugares do mundo onde os povos se encontravam harmoniosamente envolvidos entre si e com a natureza, o colonizador tratou de os des-envolver.

Passados 60 anos sobre o discurso de Truman, a única coisa que não aconteceu, de facto, foi os países «subdesenvolvidos» alcançarem o modelo de «desenvolvimento» proposto ...

A «ajuda» dos países modelo

Apesar deste fracasso clamoroso, os países modelo não desistem de «ajudar» os países subdesenvolvidos.  Injectam capitais, tecnologia (a tecnologia deles, vendida por eles), conselheiros, e se for preciso até substituem as formas de governação locais e legítimas por equipas de conselheiros «técnicos», como aconteceu nos países periféricos europeus após a crise financeira de 2008.

O modelo desenvolvimentista enreda enreda os povos subjugados nas mais subtis armadilhas do capitalismo e do imperialismo, preterindo o interesse colectivo em favor dos interesses privados e levando os governos dos países subdesenvolvidos a adoptarem medidas de destruição cultural, ambiental e económica.

Certamente será necessário ainda um longo debate e muitas experiências no terreno social para construirmos uma alternativa ao modelo desenvolvimentista, ao extractivismo, ao produtivismo e ao consumismo desbragado. Mas seja qual for a solução futura, ela terá de passar pela eliminação do endividamento externo sistemático, que é um dos veículos de dominação dos países ricos em relação aos pobres. O modelo desenvolvimentista é o ardil que há mais de 60 anos serve para convencer as populações a sujeitarem-se ao garrote financeiro da dívida, montado pelo capital financeiro.

 


Notas:

[1] «The old imperialism – exploitation for foreign profit – has no place in our plans. What we envisage is a program of development based on the concepts of democratic fair-dealing. All countries, including our own, will greatly benefit from a constructive program for the better use of the world's human and natural resources», http://www.trumanlib....

 

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