Balanço das eleições gregas
A análise dos resultados de eleições parlamentares pode ser um exercício bastante inútil, quando não politicamente enganoso – está em causa precisamente a natureza do regime parlamentar clássico, cujos méritos e deméritos, e seus efeitos perniciosos na mobilização popular, já todos conhecemos. No entanto, dada a situação particular da Grécia, vale a pena correr o risco dessa análise.
As percentagens de votação
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Nova Democracia – 18,85 % – 1.192.054 (-14,6 %)
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Syriza – 16,78 % – 1.061.265 (+12,2 %)
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Pasok – 13,18 % – 833.529 (-30,7 %)
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Gregos Independentes – 10,60 % – 670.596
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KKE – 8,48 % – 536.072 (+0,9 %)
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Aurora Dourada – 6,97 % – 440.894(+6,7 %)
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Dimar (Esquerda Democrática) – 6,11 % – 386.116
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Verdes – 2,93 %
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Laos (extrema direita) – 2,90 %
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Aliança democrática (liberais) – 2,55 %
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Recriar a Grécia (liberais) – 2,15 %
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Acção (liberais) – 1,8 %
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Antarsya (coligação de esquerda anticapitalista) – 1,19 %
Nota: o limiar mínimo para colocar deputados no parlamento grego é de 3 % dos votos. É de assinalar que os pequenos partidos que não alcançaram este limiar totalizam cerca de 14 % dos votos.
A derrota dos partidos no poder
A primeira coisa que salta à vista é a queda brutal de votos em todos os partidos que têm governado a Grécia desde o fim da ditadura militar em 1974 (Nova Democracia e Pasok). Estes dois partidos juntos costumavam obter 70 % a 90 % dos votos. Desta vez ficam-se pelos 32 %. Ainda assim, isto garante-lhes uma posição muitíssimo confortável no parlamento, como se verá adiante; mas a perda de apoio de mais de metade dos votantes não pode deixar de ser encarada como uma derrota.
A Nova Democracia caiu de 33 % em 2009 para 19 % – passa de 2,3 milhões de votos para 1,2 milhões.
O Pasok caiu de 44 % em 2009 para 13 % – de 3 milhões de votos para 0,8 milhões.
O Laos, partido de extrema direita que também apoiou os acordos da zona euro e os memorandos com a Troika, caiu de 5,6 % para 2,9 % – de 386.000 votos para 182.000.
Relação entre apoiantes e opositores dos acordos com a Troika
2/3 dos eleitores foram às urnas. Isto dá-nos uma amostra significativa do eleitorado. Os votos brancos são residuais. Portanto não pode deixar de saltar à vista que a percentagem de gregos que continuam a apoiar os partidos responsáveis pelas medidas de austeridade e os acordos com a Troika caiu abaixo de 40 %.
Os partidos que apoiam os empréstimos da eurozona são a Nova Democracia, o Pasok, o Laos e grupos liberais extra-parlamentares como o Acção e a Aliança Democrática. A Nova Democracia continua a ter a maioria em quase todas as zonas rurais.
Em compensação, os partidos ou coligações que propõem a suspensão do pagamento da dívida e sua auditoria realizam um salto notável em relação aos resultados eleitorais anteriores.
A coligação de esquerda Antarsya advoga a saída da eurozona e a anulação da dívida e dos acordos de austeridade.
A coligação de esquerda Syriza milita pela auditoria, suspensão da dívida durante 3 a 5 anos, e a suspensão dos acordos de austeridade.
Os partidos que advogam a renegociação da dívida ou que não têm uma posição clara (Esquerda Democrática, Verdes, Recriação) somam cerca de 11 %.
Nenhum dos partidos de extrema direita expressa opinião sobre ficar ou sair da eurozona.
A ameaça da extrema direita
Os partidos à esquerda do Pasok (Syriza, KKE, Dimar, Verdes, Antarsya) somam cerca de 37 %.
Esta boa notícia não pode iludir que os partidos da extrema direita ultrapassaram dos 6% obtidos em 2009, ascendendo aos 21 %. Fizeram uma fortíssima campanha xenófoba (juntamente com o Pasok, que chegou ao ponto de propor campos de detenção para imigrantes), mas uma larga parte dos seus votos provém de cidades onde nem sequer existe imigração.
Aurora Dourada, um partido já com considerável currículo de banditismo neonazi, subiu dos anteriores 20.000 votantes para 438.000 (7 %).
Gregos Independentes, cisão da Nova Democracia e também com uma campanha nacionalista e de perseguição aos imigrantes, alcançou 11 %.
A subida das várias tendências de esquerda
O Syriza saltou de 4,6% nas últimas eleições para 17% – ou seja, de 316.000 votos para um milhão. Foi o candidato mais votado em todas as grandes cidades – Atenas, Tessalónica, Patras –, nos centros industriais e na faixa etária dos 18 aos 35 anos. A sua campanha baseou-se na anulação dos acordos de empréstimo e dos memorandos que conduziram às medidas austeritárias. No entanto, sendo uma coligação, tem várias tendências internas que terão rapidamente de pôr-se de acordo sobre como actuar na agenda política imediata. Uma das contradições internas tem a ver com a saída ou não da eurozona – embora todas as tendências internas defendam a suspensão do serviço da dívida e anulação dos acordos de austeridade.
O Antarsya, único partido que milita claramente pela saída do euro e por um programa anticapitalista baseado no «controle pelos trabalhadores em toda a parte», fica-se por 1,1 % dos votos. Subiu 0,8 % em relação ao primeiro ano em que se apresentou a votos (2009), mas perdeu 1/4 dos votos que tinha conquistado nas eleições autárquicas de 2010 [desconhecemos este aspecto da realidade grega, mas em países como Portugal, como se sabe, a comparação entre diferentes eleições (autárquicas, legislativas, presidenciais) não faz sentido]. Não alcançando o limiar dos 3 %, vê-se dispensado de quaisquer compromissos com o poder e terá de continuar a lutar na rua e nos movimentos sociais pelas suas propostas.
O KKE (partido comunista grego) perdeu terreno em todas as cidades principais e grandes centros de operariado para o Syriza, indo recuperar alguns votos às pequenas cidades e zonas rurais. O KKE, por um lado, é bastante hostil à UE; por outro recusa terminantemente a saída do euro e a suspensão da dívida; propõe soluções «dentro do sistema».
A distribuição dos lugares no parlamento
Uma coisa é a percentagem de votos; outra coisa é a aplicação da absurda lei eleitoral grega no cálculo dos lugares no parlamento. O partido mais votado tem direito a um bónus de 50 lugares, donde resulta o espantoso feito de a Nova Democracia perder enorme quantidade de votos, tanto em termos relativos como absolutos, e no entanto aumentar em muito o número de lugares no parlamento. Embora a Nova Democracia apenas tenha 2,1% mais que o Syriza, obtém mais do dobro dos lugares no parlamento (108 para Nova Democracia contra 52 para Syriza).
Resultado:
Nova Democracia – 108 lugares
Syriza – 52 lugares
Pasok – 41 lugares
Gregos Independentes – 33 lugares
KKE – 26 lugares
Aurora Dourada – 21 lugares
Esquerda Democrática – 19 lugares.
A Nova Democracia tem 3 dias para formar governo. Se não conseguir, o mandato passa para o segundo partido mais votado e assim sucessivamente.
A Nova Democracia e o Pasok apelam para uma coligação pró-UE. O Syriza tenta reunir toda a esquerda (à excepção do Pasok) no sentido oposto.
Os Gregos Independentes afirmam estar de acordo com o Syriza em todos os pontos essenciais, nomeadamente quanto à dívida e à economia. No entanto esta afirmação tem de ser vista com desconfiança – Gregos Independentes propõe privatizações, enquanto o Syriza propõe a nacionalização dos bancos sob controle público.
A Esquerda Democrática disse que apoiaria uma mudança das políticas actuais e a denúncia dos actuais acordos de austeridade.
O KKE afirma que não cooperará com os «novos social-democratas» e «pseudo-revolucionários» do Syriza que «espalham ilusões» no povo. Resta saber se, perante a falência da sua política isolacionista, que lhe custou bastantes dissabores eleitorais, estará disposto a arrepiar caminho ou não.
Principais linhas programáticas do Syriza
Por muito surpreendentes que os resultados do Syriza possam ter sido para alguns comentadores, basta olhar para as propostas apresentados na campanha eleitoral da coligação para perceber o que levou os eleitores a elevarem-na a segundo maior «partido» da Grécia. As linhas mestras da campanha do Syriza são cristalinamente fáceis de entender para qualquer cidadão português ou grego:
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Anulação imediata das medidas de austeridade, em especial as que dizem respeito aos cortes nos salários e pensões.
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Anulação das medidas de austeridade que subtraem direitos aos trabalhadores.
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Suspensão do pagamento da dívida (por 3 a 5 anos).
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Alteração imediata da lei eleitoral (pondo fim ao bónus de 50 deputados para o partido mais votado) e revogação da lei que torna os ministros inimputáveis pelos seus actos.
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Controle público dos bancos e publicação imediata do relatório Blackrock.
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Constituição de um comité internacional de auditoria cidadã da dívida.
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Cooperação ao nível europeu – «A crise não é grega, é europeia», nas palavras de Alexis Tsipras, líder do Syriza.
O Syriza exigiu aos dirigentes do Pasok e do Nova Democracia que enviassem cartas à UE dizendo que os compromissos assumidos na ocasião dos resgates financeiros já não são válidos. Esta atitude tem um fundamento simples: o facto de mais de 40% dos eleitores não terem manifestado o seu apoio aos partidos que promoveram esses acordos, e de a maior parte dos restantes ter votado em partidos que repudiam os acordos – ou seja, a maioria dos cidadãos gregos manifestou claramente estar contra os acordos com a Troika.
Até ao momento em que este artigo estava a ser escrito, o KKE continuava a rejeitar o convite do Syriza à união de esforços para formar uma maioria de esquerda e viabilizar um governo coligação.
Fontes e referências
Resultados oficiais das eleições no site do Ministério do Interior helénico.
Yiorgos Vassalos, «Brief analysis of Greek elections result», 7-05-2012, in Ypsilo's Weblog.
Vários correspondentes privados, que nos enviaram dados e análises sobre as eleições gregas.
The Guardian – o mapa dos círculos eleitorais e respectivos resultados.
Resultados eleitorias de 2009 e 2012 na página francesa da Wikipedia.
Sobre o rápido crescimento da extrema direita na Grécia: Yorgos Mitralias, in CADTM (em francês).
Keep Talking Greece, «Tsipras Reveals Gov’ Conditions: Annul Bailout Measures, Banks Under Public Control…», 8-05-2012.
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